Arábia Saudita e a proximidade com o “Estado Islâmico”

A ideologia do grupo terrorista não surgiu por acaso: sua inspiração veio sobretudo do wahabismo, uma vertente do islamismo sunita que tem status de religião oficial na Arábia Saudita. Mas existem ainda outras ligações.

O ódio contra pessoas de outra fé, uma visão bizarra de mundo, que vê ameaças de todas as formas contra o islã, e a desconfiança perante todos que creem e pensam de forma diferente: esses são elementos centrais da ideologia do “Estado Islâmico” (EI).

Não foi o grupo terrorista, no entanto, quem criou essa visão de mundo, ao menos não sozinho. Quando incita ao ódio contra xiitas, yazidis, cristãos e judeus, o “Estado Islâmico” mostra semelhanças estreitas com o wahabismo, uma vertente radical-conservadora do islamismo sunita que tem status de religião oficial na Arábia Saudita.

De fato, os paralelos entre o EI e o wahabismo são inconfundíveis. Isso fica claro com uma olhada nos livros didáticos que, ao menos até há poucos anos, moldavam a visão de mundo dos escolares sauditas.

“Qualquer outra religião exceto o islã é falsa”, aprendiam eles no livro introdutório. Os alunos também tinham de solucionar pequenas tarefas, como completar a frase: “Quem morre fora da religião do islã vai…”. De acordo com o livro didático, a resposta certa era: “para o inferno”. Outro exercício era: “Dê exemplos de falsas religiões, como judaísmo, cristianismo, paganismo etc.”

“Fé não é apenas uma palavra”

Para os alunos mais velhos, as tarefas eram mais difíceis: eles eram iniciados, segundo orientação do reino saudita, nos exercícios adequados para um muçulmano. Podia-se ler: “A fé não é apenas uma palavra dita por uma pessoa. A fé consiste de língua, convicção e ação.”

Os alunos também eram esclarecidos sobre o significado da “verdadeira fé”: “Que você odeie politeístas e infiéis, mas sem tratá-los de forma injusta.” A questão do que seria “injusto” era deixada em aberto pelo livro didático.

Em vez disso, há instruções para o caso de um muçulmano se deparar com uma pessoa de outra fé: “É proibido a um muçulmano ser amigo leal de uma pessoa que não acredite em Deus e seus profetas ou que combata a religião islâmica.”

Os exemplos citados provêm de livros didáticos sauditas do ano de 2005. O think tank Centro de Liberdade Religiosa, ligado à fundação americana Freedom House, examinou uma dúzia desses livros. No estudo divulgado em 2006, os pesquisadores chegaram a uma conclusão preocupante: a Arábia Saudita “semeia o ódio contra o Ocidente tanto no ensino público religioso como em outros materiais, como, por exemplo, pareceres religiosos (fatwas).”

Os pesquisadores responsabilizaram a Arábia Saudita por essa política, pois os livros são publicados pelo Estado e os imãs responsáveis pelo conteúdo recebem o seu salário do governo.

Ao menos até 2005, alunos aprendiam uma visão de mundo radical nas escolas sauditas

Reformas duvidosas

De acordo com a fundação Freedom House, um estudo encomendado pela própria Arábia Saudita chegou a um resultado semelhante. Apresentada em dezembro de 2003, a pesquisa relatou as seguintes conclusões: o ensino de religião no reino saudita “incentiva à violência contra outras pessoas e induz os alunos à convicção de que eles, para proteger a própria religião, deveriam reprimir outros com violência ou até mesmo com a destruição física.”

Oficialmente, a Arábia Saudita nunca reagiu ao relatório da Freedom House. Em 2006, porém, o então ministro do Exterior saudita, Saud al-Faisal, declarou que o sistema de ensino do país seria completamente revisto. Não se sabe até que ponto isso realmente aconteceu. Nos anos de 2012 e 2013, o Departamento de Estado dos EUA encomendou um novo estudo sobre os livros didáticos sauditas, mas os resultados não foram divulgados.

Dinheiro e fé

A Arábia Saudita exporta a sua interpretação do islã sunita de todas as formas. Nos últimos 25 anos, Riad investiu ao menos 87 bilhões de dólares em propaganda religiosa em todo o mundo, estima um ex-embaixador americano em estudo publicado em 2007. Depois disso, a soma deve ter sido ainda maior, afirmou, devido à duradoura alta no preço do petróleo. O dinheiro foi destinado à construção de mesquitas, madraçais (escolas muçulmanas) e instituições religiosas. Com esses recursos, imãs são formados, editoras são financiadas, textos wahabitas são publicados.

Grande parte do dinheiro vai para países islâmicos desfavorecidos, mas populosos, no Sul e no Sudeste Asiático: Paquistão, Indonésia, Filipinas, Malásia. O wahabismo também é promovido em partes da África. Para muitas das pessoas que vivem nessas regiões do planeta, essas instalações são a única possibilidade de uma formação escolar. Ali eles aprendem a ler e a escrever – e, ao mesmo tempo, são familiarizados com a doutrina wahabista. Mas também no Ocidente existem instituições financiadas pela Arábia Saudita.

A proximidade ideológica com o “Estado Islâmico” também se reflete na ajuda econômica concreta. É difícil avaliar quanto dinheiro é destinado ao EI: ele é enviado por meio do chamado sistema Hawala, um sistema informal em que o dinheiro não é transferido através de contas bancárias oficiais, mas por meio de pessoas de confiança. Também não se sabe até que ponto o Estado saudita apoia direta ou indiretamente o EI.

Afastamento rápido

Nos últimos tempos, o governo em Riad se distanciou do terrorismo do EI. Em agosto de 2014, o grande mufti da Arábia Saudita declarou, em alusão direta ao EI e à Al Qaeda, que ideias radicais, extremistas e terroristas não tinham nada que ver com a fé muçulmana. “E seus autores são os maiores inimigos do islã.”

Em seu livro Le piège Daech (A armadilha EI, em tradução livre), o estudioso islâmico francês Pierre-Jean Luizard afirma que, hoje, a Arábia Saudita classifica de terroristas fenômenos que até há poucos anos ou meses eram vistos como os pilares mais confiáveis do wahabismo na região.

“Parece que o regime saudita se separou em tempo recorde das ligações que podiam legitimar esse sistema político – um sistema que, por meio de sua exportação da ideologia wahabista, por um lado, e de sua submissão aos interesses americanos, pelo outro, apresentava paradoxos políticos encontrados em poucos regimes deste mundo.”

Fonte: DW

19 Comentários

  1. Na Arabia Maldita e proibido construir igrejas, mas o governo saudita esta financiando dezenas de construções de mesquitas por toda a Europa, a emasculada Europa>

    Coincidência?

    • O pior é que a democracia é impossível na Arabia Saudita , não dá para substituir a monarquia absoluta visto wahhabitas ainda mais radicais poderiam tomar o poder.

      • Lá não dá para “substituir” monarquia pelo Wahhabismo…Porque ambos, inclusive o reino saudita, são uma coisa só, desde a sua fundação…

        Na Arábia Saudita não existe separação entre estado e religião e o rei saudita é também líder do Wahhabismo, por isto o regime saudita é denominado de Teocracia…

        O teólogom original do Wahhabismo foi ‘Muhammad ibn Abd al-Wahhab’ (1703-1792), que firmou um pacto com um líder local,

        chamado Muhammad bin Saud (antepassado da atual realeza saudita),

        oferecendo obediência política e prometendo que a defesa e a propagação do movimento wahhabista,

        significaria “poder e glória” e domínio de “terras e homens”.

    • Mas ainda sim , resolver este problema é mais fácil que lidar com os comunistas…os crimes do comunismo principalmente de Cuba e Coréia do Norte só se resolve com intervenção militar pesada e ainda sim os esquerdista se usarão de terrorismo para retaliar( eles estão infiltrados em todos os níveis inclusive nas forças armadas)

    • “Capa Preta
      26 de novembro de 2015 at 16:26

      Na Arabia Maldita e proibido construir igrejas, mas o governo saudita esta financiando dezenas de construções de mesquitas por toda a Europa, a emasculada Europa”

      na verdade é no mundo inteiro mesmo…inclusive aqui…passou um dia desses na Band uma reportagem sobre isto…na noruega estas doações da Arábia Saudita para construções de mesquitas foram impedidas/proibidas no pais justamente por este motivo do regime ser um lugar onde não existe liberdade religiosa alguma…

  2. Engraçada a família real saudita, ensinam estas merdas para seus súditos em escolas mas os príncipes sauditas (e são muitos) vivem em Dubais acompanhados de putas de luxo ocidentais, andando de M asseratis Ferraris e tudo mais o que o acidente capitalista infiel tem a oferecer aos seus petrodolares, hipocritas os mebros da casa de Saud.
    Parecem ate certos elementos de ideologias que temos por aqui, tipo sindicalistas anticapitalistas de esquerda que usam Rolex.

  3. Tomara que consigamos obriga-los se afastar do EI , senão o Ocidente vai ter de tomar providências sérias uma delas é monitorar e congelar contas financeiras, assim como montar um sistema de migração super rigoroso

  4. Menos na Noruega
    O que todo o mundo ocidental deveria fazer
    Nos programas de TV no Brasil fazem entrevistas sobre a tal religião da paz e das pessoas, mas em nenhum momento se pergunta o que elas acham desta falta de reciprocidade ou pq eles tem liberdade de exercer a religião aqui e os cristão não tem em seus paises de origem.

    http://www.lusopt.com/mundo/1268-obrigado-noruega-se-nao-ha-igrejas-na-arabia-saudita-nao-havera-mesquitas-na-noruega.html

    http://noticias.gospelmais.com.br/noruega-proibe-doacoes-construcao-mesquitas-72642.html

  5. Mulçumanos radicais hipócritas… duvido que seus hospitais não sejam repletos de tecnologia criada pelos cristãos.
    E os carros, aviões que se utilizam em seu dia a dia, tudo criado pelas mãos dos tais infiéis. São tudo uma cambada de ridículos. Não é necessário nem o uso de argumentos teológicos para desbancá-los de seu viver cínico.

    • “ViventtBR
      26 de novembro de 2015 at 18:18

      Mulçumanos radicais hipócritas… duvido que seus hospitais não sejam repletos de tecnologia criada pelos cristãos.
      E os carros, aviões que se utilizam em seu dia a dia, tudo criado pelas mãos dos tais infiéis. São tudo uma cambada de ridículos. Não é necessário nem o uso de argumentos teológicos para desbancá-los de seu viver cínico.

      Opinião do Leitor: Estado Islâmico Tolerância à Francesa

      Autor: Capa Preta

      Em uma das suratas profeticas do Corão, eles tem a figura do Ya Mahdi ( pronuncia-se Ma Hadi) o 12° Imã, a profecia diz que o Ma hadi vai surgir para liderar o exercito do Islã contra seus inimigos, para o muçulmanos somente Maomé esta acima do Ma Hadi, na profecia Jesus vai voltar não como salvador dos cristãos, mas como um profeta que foi arrebatado como Elias(Eles acreditam em um falso Cristo), para mostrar aos cristãos que eles estavam errados, que ele não é o messias, E o Ma Hadi iria matar todos os infiéis que não se converterem a verdadeira religião de Alá.
      Se você pegar a parte da Biblia refente ao Apocalipse, e comparar com a Surata que se refere ao Má Hadi vão perceber que a similaridade e idêntica ao do anti cristo. Tirando a religiosidade a parte, vocês podem acreditar ou não nesta besteirada islâmica, mas eles acreditam, e estão dispostos a eliminar os “cães infieis” (Judeus e cristãos) da face da terra. Abaixo trecho do Corão onde Maomé manda exterminar seguidores de outras religiões.Eles amam mais a morte, do que nós amamos a vida!”

      Guarda costeira grega é filmada tentando afundar botes com refugiados:

      https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=FESY3hcK5Vc

      http://noticias.band.uol.com.br/jornaldanoite/videos/2015/11/20/15684610-guarda-grego-tenta-afundar-bote-com-imigrantes.html

      http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/16/menina-e-apedrejada-na-saida-de-culto-de-candomble-no-rio.htm

      http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/menina-agredida-ao-sair-de-culto-de-candomble-e-hostilizada-ao-fazer-exame-no-iml/?cHash=390f5159708796f470c78e6d551cd6f2

      e esta desgraça do Neopentecostalismo?!…..foi criada nos eua e importada para cá…se alastra como um câncer neste pais e já esta suplantando o catolicismo aqui….segundo o IBGE daqui a algumas poucas décadas serão maioria…e suplantarão os católicos em numero…serão a maioria neste pais…daqui a algumas décadas esta gente tomara o controle e a influencia sobre este pais…e esta tal “bancada evangélica” que vemos em nossa política é a preparação do terreno para isto…ficaremos totalmente a mercê desta gente que invade Igrejas e terreiros para as destruírem …que atira pedras em crianças por ser de outra religião…seremos governados por Valdemiros e Felicianos da vida…que promovem orgias com suas seguidoras e que exigem as senhas dos cartões de credito de seus fieis…

      • É tudo muito triste o que certos canalhas fazem com a ingenuidade popular. Mas isso é assunto para muito pano para manga.
        Só acrescentaria que todo grande líder espiritual (honesto) que passou pela Terra possuiram em comum o desapego por dinheiro e compromissos com redes de familiares e amigos. Viviam a margem da sociedade formal.
        São Francisco de Assis é um deles. Deixou toda facilidade material e antigos relacionamentos para abraçar sua Fé.

        Será que um líder religioso que não abre mão de confortos e status na matéria pode ser levado a sério?

  6. A RUÍNA DA EUROPA – E COMO IMPEDI-LA.

    Escrito por Felipe Melo | 26 Novembro 2015

    “Somente uma atitude será capaz de interromper esse caminho de autodestruição, e essa atitude é o retorno da Europa ao Cristianismo.

    A Europa ainda parece um tanto atônita diante da carnificina perpetrada em Paris pelos terroristas do Estado Islâmico. A reação instantânea de muitos países ocidentais foi, de certa forma, algo natural e já esperado: a restrição de entrada de refugiados, operações policiais cinematográficas em seus próprios territórios, o aumento dos bombardeios a posições do Estado Islâmico na região do Levante, dentre outras.

    As discussões em torno dos atentados giraram basicamente em torno de dois eixos: o primeiro, majoritário, que dizia temer a explosão de violência contra muçulmanos, o crescimento de grupos ultranacionalistas e o recrudescimento do discurso xenófobo; o segundo, minoritário, que mostrou alguma preocupação em determinar em que medida grupos terroristas têm se aproveitado da liberalidade dos países ocidentais para se instalar em seus territórios, recrutar novos membros e expandir suas operações. Quase nenhuma preocupação tem se mostrado sobre uma das principais causas que deram origem ao massacre de Paris: a degradação cultural da Europa provocada pela sua descristianização.

    Todos os especialistas que acorreram à mídia para dar explicações – estapafúrdias, no mais das vezes – sobre o que teria permitido com que o Estado Islâmico provocasse um ataque de tão graves proporções na França restringiram sua análise a aspectos acidentais do problema real. Muito se falou dos perigos da xenofobia e de como ela poderia degradar o essencial espírito de tolerância que os novos tempos pedem. Falou-se também sobre as desastrosas políticas externas de países ocidentais, especialmente os Estados Unidos, que, pelo visto, parecem bastante eficientes em armar, treinar e financiar com fartura seus futuros inimigos. Mencionou-se a importância de outros países da Europa tomarem parte nas ações militares contra o Estado Islâmico, inclusive com a utilização de tropas terrestres. Algumas questões foram levantadas: como identificar os terroristas em meio à multidão de refugiados?; é preciso fechar totalmente as fronteiras, aumentar o controle ou deixar a coisa como está?; o Islamismo é, de fato, uma ameaça, ou grupos como o Estado Islâmico não são, de fato, islâmicos?

    A degradação da cultura ocidental, que começou no momento em que o Cristianismo deixou de ser o fundamento primordial da vida cotidiana das pessoas, não foi mencionada nas análises pós-atentado de Paris. Na verdade, não foi considerada sequer como possibilidade, ainda que remotíssima. Sobre isso, silêncio sepulcral. No entanto, é precisamente este o problema central da civilização ocidental de nossa época. E há alguns exemplos bastante eloqüentes que nos ajudam a enxergar isso.

    É bem provável que você jamais tenha ouvido falar de Abel Azcona. Nascido em Pamplona, Navarra, no ano de 1988, o espanhol Azcona é um “artista performático”. Seu perfil no site Vimeo diz mais sobre o artista e sua obra (tradução livre):

    Sua exploração artística leva em consideração visões altamente biográficas sobre sua própria infância, experiências marcantes de abuso, abandono e maus tratos, sua mãe biológica exercendo um papel-chave em sua experiência e, portanto, em sua prática artística. A experiência de abandono tida primeiramente por causa de sua mãe, que era prostituta, e sua passagem por diversos orfanatos, instituições mentais e lares adotivos, são determinantes para a maneira como Azcona se expressa. Sua experiência de vida, marcada por drogas, prostituição, e algumas tentativas de suicídio durante a adolescência, estão relacionadas com seu processo criativo e, portanto, ele não hesita em compartilhar isso com os expectadores através de seu trabalho. Em seus trabalhos sobre a intimidade, Azcona é conhecido por experimentar dor e resistência física, expondo-se a espancamentos, intoxicações, agressões e várias torturas físicas e psicológicas, e não teme em confrontar a si mesmo. Azcona diz que, quando a dor interna é tão intensa, a dor externa pode desaparecer; ele usa a dor para se simpatizar com seus próprios sentimentos e experiências durante a infância e a adolescência. Além disso, assegura que, quando pratica auto-agressão, é por vontade própria que altera a forma de seu corpo, o que se opõe a uma criança ou mulher abusada, que não têm a chance de decidir. Um resiliente Azcona, criador de uma obra catártica como meio de autoconhecimento e construção pessoal.

    O jovem Azcona está construindo renome mundial. Seus trabalhos já foram expostos nas principais capitais da Europa e dos Estados Unidos, e seu nome transita com facilidade em renomados museus e galerias de arte. Sua última arte performática está sendo apresentada em sua cidade-natal, Pamplona. Trata-se de um painel performático em que, utilizando 242 hóstias consagradas, Azcona forma no chão a palavra “pederastia”. Diante da incredulidade das pessoas sobre o material utilizado por Azcona, ele disse que assistiu a 242 celebrações eucarísticas em igrejas de Navarra e Madri, e publicou fotos que fez com câmera escondida enquanto participava de algumas dessas celebrações – inclusive, no momento da recepção da Eucaristia.

    Uma cultura que é capaz de acolher manifestações de total e completo desprezo pelo transcendente é uma cultura que trilha um caminho sólido rumo à própria destruição. A louvação em torno da obra de Azcona é uma louvação ao auto-extermínio. Uma civilização que chega a um tal nível de degradação cultural não só é incapaz de resistir à influência e à ação de quaisquer inimigos externos, mas ela mesma se tornou sua própria inimiga. Nesse estágio, não importa que medidas se tome contra o Estado Islâmico ou qualquer outro grupo terrorista – aumento de bombas jogadas em suas bases, fechamento de fronteiras, recrudescimento das leis –, nada, absolutamente nada será capaz de afastar o perigo do extermínio.

    Nenhuma ação externa será capaz de deter a marcha da Europa rumo à ruína. Somente uma atitude será capaz de interromper esse caminho de autodestruição, e essa atitude é o retorno da Europa ao Cristianismo. Não falo de um retorno exterior, aparente, mas de algo que os antigos gregos chamavam de metanóia (μετανοεῖν): o reconhecimento do problema central, o arrependimento sincero e a conversão integral – conversão não apenas no sentido religioso, mas moral, ético e intelectual. Isso não depende de governos, nem de exércitos, nem mesmo da ONU, mas das pessoas.

    Há alguns séculos, a Europa enviava missionários ao mundo inteiro para que levassem o Evangelho a todos os povos, de acordo com o mandato concedido por Cristo aos Apóstolos (cf. Mt 28, 16-20). Hoje, é a Europa que precisa ser cristianizada. Que hoje, dia em que a Igreja Católica celebra a Solenidade de Cristo Rei do Universo, isso seja pregado do alto dos telhados (Mt 10, 27) em alto e bom som.

    Uma resposta conveniente

    Há um provérbio árabe que diz: “Um tolo joga uma pedra em um poço, e cem sábios não conseguem movê-la”. Freqüentemente, é muito mais difícil desfazer uma informação equivocada do que simplesmente passá-la adiante. No entanto, faz-se necessário responder a um punhado de equívocos com uma procissão de argumentos bem fundados. Então, vamos lá.

    Recebi um comentário ao artigo acima que diz o seguinte:

    A Europa sempre viveu em guerra. Basta uma pesquisa simples para ver a cronologia das guerras naquele continente, sobretudo as guerras de religião dentro do cristianismo. Protestantes de diversas seitas entre si ou entre católicos e protestantes, ou você se esqueceu da noite de São Bartolomeu. No começo do século XX os países europeus se destruíram em duas guerras mundiais. Na verdade, vendo em perspectiva de longa duração, o século XX foi o período de paz mais duradoura. Uma pessoa vir a público na internet e usar a tragédia da França e o terrorismo para fazer proselitismo religioso é irresponsável e muito baixo. É falta de caráter intelectual. Isto não é coisa de cristão e uma aposta na ignorância e no obscurantismo.

    Quero acreditar que quem escreveu o comentário teve o bom senso turvado pela paixão do momento. Afinal, acusar gratuitamente alguém de ser irresponsável, muito baixo e intelectualmente mau caráter não é o tipo de coisa que se espera de gente que esteja na plena posse de suas faculdades mentais – o que pode acontecer em um momento de destempero, por exemplo. Após essa observação, podemos às alegações do comentário. Por uma questão de método, vou dividir o comentário em pedaços e analisá-los um por um.

    1) “A Europa sempre viveu em guerra.”

    Essa é uma meia verdade. Sim, é fato que o continente europeu jamais se viu totalmente livre de conflitos armados. No entanto, esses conflitos eram freqüentemente isolados, resumindo-se a questões de disputa territorial entre condados, ducados e principados. Conflitos de larga escala na Europa deixaram de ser exceção e passaram a ser regra a partir da Revolução Francesa, especialmente com a assunção de Napoleão Bonaparte ao poder. A racionalização dos métodos e táticas de batalha – algo visto sobretudo depois de “Da Guerra”, a famosa obra do estrategista Carl von Clausewitz – e a utilização de armas de maior poder de destruição proporcionaram a escalada dos morticínios não só na Europa, mas em outros lugares.

    2) “Basta uma pesquisa simples para ver a cronologia das guerras naquele continente, sobretudo as guerras de religião dentro do cristianismo. Protestantes de diversas seitas entre si ou entre católicos e protestantes, ou você se esqueceu da noite de São Bartolomeu.”

    A Noite de São Bartolomeu foi, de fato, um episódio triste na história francesa. Para quem não sabe, a Noite de São Bartolomeu foi um pogrom cometido em Paris, bem como no interior, contra os huguenotes por católicos no contexto das guerras de religião da França no século XVI. A taxa de mortos varia entre 5 mil e 30 mil, sendo que a maioria dos historiadores estima que a quantidade de mortos tenha sido mais próxima de 10 mil.

    No entanto, esse episódio não pode ser, nem de longe, tomado como um exemplo de guerra na Europa. Aliás, ao contrário do que o comentário implica – e do que quase todo mundo crê –, a religião nunca foi o principal motivo de conflitos armados. A monumental “Encyclopaedia of Wars”, trabalho de pesquisa coordenado pelos historiadores Charles Phillips e Alan Axelrod, estima que 7% dos conflitos armados no mundo tenham tido a religião por motivo. Querer culpar a religião pela guerra é uma daquelas mentiras saborosas ao palato pós-moderno.

    3) “No começo do século XX os países europeus se destruíram em duas guerras mundiais. Na verdade, vendo em perspectiva de longa duração, o século XX foi o período de paz mais duradoura.”

    Essa informação é equivocada. O século XX, ao contrário, foi o período em que mais se matou na história humana. A obra “The Great Big Book of Horrible Things”, de Matthew White, lista que, nos 100 piores conflitos e massacres da história humana – contabilizados desde o século V a.C. –, morreram aproximadamente 500 milhões de pessoas; deste total, 200 milhões morreram desde 1900 até hoje. Tomando essa contagem por base, chegamos à conclusão que 40% das mortes provocadas em guerras, perseguições e massacres em toda a história humana ocorreram apenas nos últimos 115 anos.

    Além disso, outro fator que não se pode desconsiderar é que o século XX viu o surgimento do extermínio sistemático de populações inteiras como uma política oficial de Estado. Os gulags da União Soviética, o Holodomor da Ucrânia, os campos de concentração nazistas, as execuções sumárias e as perseguições políticas da China comunista, enfim, há inúmeros exemplos disso.

    4) “Uma pessoa vir a público na internet e usar a tragédia da França e o terrorismo para fazer proselitismo religioso é irresponsável e muito baixo. É falta de caráter intelectual. Isto não é coisa de cristão e uma aposta na ignorância e no obscurantismo.”

    O processo de descristianização da Europa, que foi acentuado a partir da Revolução Francesa, curiosamente coincide com o aumento de alcance, ocorrência e mortalidade das guerras. Não se trata de uma mera coincidência: há um nexo causal entre as duas coisas. Esclarecer a existência desse nexo está longe de ser uma aposta na ignorância e no obscurantismo – aliás, termos bastante recorrentes nos discursos anticristãos desde o Iluminismo Francês até os dias de hoje –, mas o exercício do direito (mais além, do dever) de todo cristão em dizer a verdade.”

    https://felipeoamelo.wordpress.com

      • A descristianização é um grande tiro no nosso pé…
        Mas, de umas décadas para cá, há um motivo ainda mais forte para o enfraquecimento da sociedade ocidental do que a descristianização.
        Porém, tenho que ficar mais ou menos quieto sobre esse motivo.
        A origem dessa destruição social, que surgiu do nada, vem desde a década de 60.
        O único consolo é que é algo que vai atingir todo o mundo no futuro e não somente o Ocidente hoje.
        Infelizmente, esse fator que é uma facilidade criada pela tecnologia moderna, na década de 60, vai contra uma boa estrutura social.
        Para falar a respeito disto, um determinado detalhe surgido nos anos 60, só fora da internet e com raríssimas pessoas. O autor desse artigo seria, quem sabe, uma delas.
        Abraço!

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