Confrontos entre israelenses e palestinos deixam mortos

Cisjordânia e Faixa de Gaza registram mais um dia de protestos violentos em reação à decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Manifestações se espalham por países árabes e muçulmanos mundo afora.

Confrontos violentos em mais um dia de protestos na Cisjordânia

Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas nesta sexta-feira (08/12) em vários países árabes e muçulmanos, para mais um dia de protestos contra a decisão dos Estados Unidos de reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Ao menos dois palestinos morreram na Faixa de Gaza.

Segundo um porta-voz do Ministério da Saúde local, as mortes foram provocadas por forças de segurança israelenses, que teriam disparado com arma de fogo contra os manifestantes. Os confrontos violentos ainda deixaram dezenas de feridos, incluindo dois em estado crítico.

O Exército de Israel, por sua vez, defendeu que, em razão de “tumultos violentos” em Gaza, “os soldados responderam de forma a dispersar o motim”. A força armada confirmou que duas pessoas – descritas como instigadoras – foram atingidas por balas.

Ainda segundo os militares israelenses, protestos em reação à decisão americana ocorreram em ao menos 30 localidades da Cisjordânia e da Faixa de Gaza nesta sexta-feira, um dia depois das manifestações que também terminaram em confrontos violentos e dezenas de feridos na região.

Manifestante carrega bandeira palestina durante confrontos com militares na Faixa de Gaza

Na Cisjordânia, palestinos incendiaram pneus, provocando intensas nuvens de fumaça negra sobre as cidades de Ramala e Belém. Enquanto manifestantes jogavam pedras em militares israelenses, esses respondiam com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Os paramédicos do Crescente Vermelho e as autoridades de saúde palestinas relataram um total de 13 pessoas feridas por disparos de arma de fogo e 47 por balas de borracha nos protestos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Além disso, dezenas foram tratadas por inalar gás lacrimogêneo.

Na quinta-feira, em discurso durante uma manifestação em Gaza, o líder do movimento palestino Hamas, Ismail Haniyeh, havia convocado palestinos, árabes e muçulmanos a realizarem novos protestos nesta sexta-feira. “Façamos do 8 de dezembro o primeiro dia da nova intifada [levante popular]” contra o Estado israelense, pediu o líder.

Confrontos também foram registrados em protestos na Cidade Antiga de Jerusalém

Em apoio aos palestinos, manifestações foram registradas também em países como Jordânia, Líbano, Iraque, Irã, Paquistão, Turquia, Bahrein, Egito, Sudão, Tunísia, Indonésia e Malásia. Os presentes repetiam palavras de ordem contra o anúncio do presidente americano, Donald Trump, e levavam cartazes que pressionavam os líderes árabes a responder de maneira firme a Washington.

“Com o espírito e o sangue, não deixaremos que Jerusalém se vá”, “Jerusalém é árabe e continuará sendo capital eterna da Palestina, e não de Israel”, “Jerusalém para nós, não para os ocupantes” e “não à judaização de Jerusalém” foram alguns dos gritos ouvidos nas cidades árabes.

No Egito e na Jordânia, os únicos países que têm assinado um tratado de paz com Israel, os participantes exigiam a paralisação dos acordos. Centenas de pessoas protestaram dentro e fora da mesquita de al-Azhar, a mais emblemática do Egito e situada no centro histórico do Cairo, após a finalização da oração do meio-dia.

Em Amã, capital jordaniana, centenas de manifestantes gritaram “Estados Unidos são a cabeça da cobra” e pisaram num cartaz que trazia o rosto de Trump ao lado de uma suástica nazista. Estima-se que 20 mil pessoas tenham participado de protestos ao redor do país.

Manifestantes em frente ao Domo da Rocha, um dos edifícios mais sagrados do islã, na Cidade Antiga de Jerusalém

Conselho de Segurança se reúne

Enquanto isso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas deu início a uma reunião para discutir a decisão dos Estados Unidos sobre o reconhecimento de Jerusalém.

“Existe um sério risco hoje de que possamos ver uma cadeia de ações unilaterais, que só podem nos afastar ainda mais de alcançar nosso objetivo compartilhado de paz”, alertou Nickolay Mladenov, enviado da ONU para o Oriente Médio, durante o encontro.

Há dois dias, Trump anunciou que vai transferir a embaixada americana de Tel Aviv – onde estão as embaixadas de outros países – para Jerusalém, ignorando alertas de líderes estrangeiros sobre os riscos que a medida pode trazer aos esforços de paz no Oriente Médio.

Durante o anúncio na Casa Branca, Trump disse que a medida apenas reconhece o “óbvio”: que Jerusalém é sede do governo israelense. “Não é nada mais que o reconhecimento da realidade.”

A decisão, que acarreta o reconhecimento da cidade disputada como capital do governo israelense, logo provocou reações indignadas de entidades e líderes internacionais. Uma série de países, incluindo Reino Unido e França, solicitaram então uma reunião de emergência da ONU.

Israel considera Jerusalém sua capital “eterna e indivisível”, enquanto os palestinos defendem que a porção leste de Jerusalém deve ser a capital de seu almejado Estado.

As Nações Unidas estabelecem que o status de Jerusalém deve ser definido em negociações entre israelenses e palestinos, razão pela qual os países com representação diplomática em Israel têm suas embaixadas em Tel Aviv e imediações.

Fonte: DW

Israelenses, palestinos e a busca por um mediador

Após decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, processo de paz é visto como “enterrado”. Caso seja reiniciado, ainda não se sabe quem poderá mediá-lo. Os EUA continuam sendo candidatos.

Protesto em Gaza contra o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel

Na semana passada, uma delegação enviada pelo líder da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, já havia advertido Jared Kushner, cunhado e assessor de Donald Trump, de que a decisão do presidente americano dereconhecer Jerusalém como capital israelenseiria minar as negociações de paz entre israelenses e palestinos.

Abbas alertou que, se a transferência da embaixada americana de Tel Aviv para a cidade disputada se concretizasse, os palestinos não veriam mais Washington como um “mediador honesto”.

Trump oficializou sua decisão na última quarta-feira (06/12). Com isso, os americanos “enterraram” o processo de paz, disse o líder do movimento palestino Hamas, Ismail Haniyeh, durante um discurso em Gaza, acrescentando que a decisão foi uma “declaração de guerra” contra os palestinos.

A ativista palestina Hanan Ashrwai afirmou que a decisão de Trump “acaba com a farsa de que os EUA podem ser um mediador imparcial”.

Influência necessária

“O processo de paz realmente fracassou? Que processo de paz?”, indagou o jornal israelense The Jerusalem Post em editorial. O periódico aponta que, de qualquer forma, nos últimos três anos não houve mais nenhuma negociação e que a decisão de Trump não somente não melhoraria as negociações de paz, mas também prejudicaria os interesses estratégicos e diplomáticos dos Estados Unidos.

Mas tudo isso não muda nada no fato de os EUA continuarem a ser mediadores indispensáveis na região, acrescentou The Jerusalem Post. “Se um dia houver negociações sérias, os palestinos precisarão dos EUA, porque nenhum outro país tem a influência necessária sobre Israel para apoiar a conclusão de um acordo”, escreveu o diário.

Decisão de Trump é “declaração de guerra a palestinos”, disse Ismail Haniyeh, líder do Hamas

O poder político e militar é o fator mais importante nas negociações de paz. O cientista político Gil Murciano ressalta que, tanto no passado quanto no presente, houve iniciativas sérias e bem-sucedidas que não partiram dos EUA. Isso inclui a visita do então presidente egípcio, Anwar al-Saddat, a Jerusalém, em 1977, e os Acordos de Oslo de 1993, por exemplo.

De acordo com Murciano, os EUA são, no entanto, indispensáveis ​​para futuras iniciativas. “Porque, infelizmente, os americanos ainda são os únicos que têm poder suficiente para adotar a política de punição e recompensa. Somente eles são capazes de fornecer as necessárias garantias de segurança.”

Apesar da retirada da região, os EUA continuam a ser um parceiro importante – especialmente para Israel e, assim, indiretamente também para os palestinos. Pelo simples motivo de que não existem outros potenciais mediadores.

A Rússia, um dos novos atores-chave na região desde a guerra da Síria, está fora de questão para o papel, disse Murciano, explicando que falta ao país outra condição indispensável: confiabilidade.

De acordo com o cientista político, para conduzir as negociações, o mediador precisa ter a confiança de ambas as partes. Murciano disse acreditar que, no entanto, Moscou não preenche esse pré-requisito, pois especialmente os últimos meses fizeram com que Israel ficasse bastante cético em relação à Rússia. Isso porque, durante a guerra na Síria, os russos não puderam reduzir de forma convincente a influência do Irã no país em conflito – e assim junto à fronteira com Israel.

O movimento xiita Hisbolá se encontra nas Colinas de Golã, ao lado do território israelense, “e isso abalou fortemente a confiança dos israelenses”, apontou Murciano.

UE irrelevante

E a Europa ou a União Europeia (UE)? Para o cientista político, o bloco europeu também está fora de questão, observando que certamente a UE apoia o processo de paz – mas ela não dá nenhum impulso significativo.

Quando John Kerry, então secretário de Estado dos EUA, quis reiniciar as conversas entre israelenses e palestinos em 2011, cogitando também um congelamento dos assentamentos de Israel na Cisjordânia, a UE realmente apoiou esse processo. O bloco europeu prometeu aos dois parceiros de negociação uma parceria privilegiada, caso chegassem a um acordo.

Murciano ressaltou, porém, que nesse contexto a União Europeia nunca foi um ator independente, nunca mostrou motivação ou poder de negociação, nem qualquer posição própria ou cenário em que as conversas poderiam ter ocorrido. “É por isso que a UE não é relevante para o processo de paz”, avaliou o cientista político.

A hora dos demagogos

É claro que, se o processo de paz se reiniciar, ele deverá ser mais difícil do que nunca. Pois devido à guerra na Síria, a situação estratégica de Israel tornou-se consideravelmente mais difícil. O país vê-se mais do que nunca ameaçado pelo Irã.

Teerã percebeu logo que o uso propagandístico que poderia ser feito da decisão do presidente dos Estados Unidos. “Os muçulmanos devem permanecer unidos contra essa grande conspiração”, declarou o presidente iraniano, Hassan Rohani, ainda antes da respectiva declaração de Trump. Suas palavras devem ter encontrado ouvidos, mesmo no mundo sunita.

Como a situação vai se desenvolver, se vai se acirrar ou se acalmar, irá depender muito das declarações dos responsáveis ​​nos próximos dias. Parece estar claro que as conversações de paz devem ser retomadas. A questão é quem será capaz de mediá-las. Apesar de todo o desagrado, no final, essa escolha poderá recair mais uma vez sobre os EUA.

Fonte: DW