A misteriosa renúncia do premiê libanês

Líbano é palco da luta por influência entre Arábia Saudita e Irã, um conflito que já produziu centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados e está desestabilizando ainda mais o Oriente Médio.

Primeiro-ministro Saad Hariri renunciou quando estava na Arábia Saudita e depois voltou atrás

Não se sabe o que exatamente aconteceu nos bastidores da inusitada e surpreendente renúncia do primeiro-ministro Saad Hariri, mas uma coisa é certa: assim como acontece no Iêmen e na Síria, o Líbano é palco do crescente conflito entre as duas grandes potências regionais: Arábia Saudita e Irã

A primeira se vê como protetora dos sunitas, grupo ao qual pertence também Hariri. Já Teerã é a grande potência xiita e tem na milícia Hisbolá, que participa do governo libanês, seu principal aliado no país.

Analistas veem na renúncia de Hariri o dedo do novo líder saudita de facto, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que tem se mostrado muito mais agressivo na política externa do que os líderes anteriores e está disposto a bater de frente com o Irã.

Mas forçar Hariri a renunciar foi demais até para Salman. Os aliados árabes dos sunitas não apoiaram o movimento, e, nos bastidores, a Arábia Saudita sofreu uma tremenda pressão dos Estados Unidos para que permitisse o retorno de Hariri a Beirute, como confirmaram diplomatas americanos e europeus à agência de notícias Reuters.

A Arábia Saudita investiu esforços políticos e muitos milhões de dólares, ao longo de anos, para fortalecer Hariri no Líbano depois do assassinato do pai dele, o também primeiro-ministro Rafik Hariri, em fevereiro de 2005. Rafik foi primeiro-ministro do Líbano por mais de uma década e se tornou o principal líder sunita do país, intimamente ligado à Arábia Saudita. O atentado com explosivos que matou ele e mais de 20 outras pessoas é atribuído à Síria e ao Hisbolá.

Saad Hariri assumiu o poder em duas oportunidades, a primeira de 2009 a 2011, e a segunda em 2016. Nas duas formou um governo de unidade nacional, aliando-se ao Hisbolá – ou seja, aos possíveis assassinos de seu pai. O que incomoda os sauditas é que, na prática, quem ganhou poder nos últimos anos no Líbano foi a milícia xiita e seus apoiadores, o que inclui o presidente Michel Aoun.

Único grupo a não depor armas depois do fim da guerra civil de 1975 a 1990, o Hisbolá é acusado, tanto fora como dentro do Líbano, de ser um Estado dentro do Estado. Para os sauditas, Hariri tem feito muito pouco para impedir que a milícia se fortaleça internamente e atue como uma força militar na região, ajudando o Irã a elevar sua influência. Isso explica por que, ao retornar a Beirute e “suspender” sua renúncia, Hariri defendeu justamente que o Líbano se mantenha longe dos conflitos no Oriente Médio e adote uma política de distanciamento. O alvo da mensagem, claro, era o Hisbolá.

Segundo especialistas, o cálculo dos sauditas era que, se Hariri fosse posto de lado, seu papel de mera cobertura para o Hisbolá ficaria evidente, o que poderia fazer com que os demais países sunitas, além dos Estados Unidos e de Israel, mirassem o grupo com mais sanções e talvez até mesmo militarmente. A manobra não deu certo, até porque os libaneses se uniram em torno de Hariri e acusaram os sauditas de o terem forçado a renunciar.

A luta entre Arábia Saudita e Irã por influência política está desestabilizando ainda mais o Oriente Médio. Além das duas potências regionais, os Estados Unidos e a Rússia também estão envolvidos. Os conflitos armados resultantes, como os da Síria e do Iêmen, já custaram mais de 400 mil vidas, além de terem produzido mais de 5 milhões de refugiados.

Coluna Zeitgeist 

Fonte: DW

Opinião: Líbano é um joguete de potências estrangeiras

Atual crise no Líbano é mais um caso da luta por influência das duas grandes potências regionais: Arábia Saudita e Irã, afirma o chefe da redação árabe online, Rainer Sollich.

Saad Hariri participa de parada militar depois do retorno a Beirute

 

Uma das questões mais debatidas no Oriente Médio no momento é: por que o chefe de governo do Líbano, Saad Hariri, renunciou de forma totalmente surpreendente e justamente quando estava na Arábia Saudita, depois de uma aparente e dramática “fuga”? Foi por iniciativa própria, por temer pelo seu país ou por temer um atentado contra si, como ele insinuou, de forma nebulosa? Ou ele foi forçado a renunciar pelos seus “amigos” sauditas para incitar o caos no Líbano e diminuir a influência da milícia xiita Hisbolá, financiada pelo Irã?

É possível que a verdade jamais venha à tona, mas tudo indica que, nos bastidores, foi feita uma bem-sucedida pressão sobre a Arábia Saudita e outros atores. Países como o Egito e a antiga potência colonial, a França, aparentemente desempenharam o papel de mediadores, enquanto o ministro alemão do Exterior, Sigmar Gabriel, jogou os sauditas contra si ao apontá-los publicamente como culpados pela renúncia.

Hariri, agora, está de volta ao seu país, mas a situação continua incerta. Num primeiro momento, ele disse que suspendeu sua renúncia e vai aguardar o resultado de novas conversações. Pouco depois, anunciou diante de apoiadores em festa: “eu ficarei com vocês!” – sem deixar claro se ele pretende ficar apenas no país ou também no cargo e sem esclarecer o que a Arábia Saudita pensa disso nem se haverá exigências.

Ainda assim, o retorno de Hariri a Beirute é uma boa notícia. E também louvável é que, com o Chipre, mais um país da União Europeia se envolva nas negociações. Resta esperar que esse jogo desonroso em torno de Hariri chegue ao fim. Esse jogo faz o Líbano parecer, aos olhos do mundo, um Estado controlado à distância e implica o risco de uma tensão militar se todas as partes envolvidas, dentro e fora do país, não se submeterem a uma extrema disciplina. Afinal, o conflito de fato ainda não foi resolvido. E ele não pode ser resolvido apenas no Líbano.

A potência xiita, o Irã, e as forças a ela aliadas, como o Hisbolá, de fato buscam aumentar seu poder no Líbano e na região, e em nenhum lugar isso é mais evidente do que na Síria, onde ambos, junto com a Rússia, tentam alcançar uma vitória militar do regime do presidente Bashar al-Assad contra rebeldes, em sua maioria, sunitas.

A potência sunita, a Arábia Saudita, vê isso como ameaça e quer evitar a todo custo a ampliação da influência iraniana e xiita na região. E o reino saudita é comandado por um jovem príncipe que o serviço secreto alemão, o BND, atestou ser impulsivo e aventureiro na política externa num relatório que foi vazado para a imprensa no fim de 2015.

Rainer Sollich

Esse conflito não tem como ser resolvido sem que os atores de fato sejam levados à mesa de negociações: a Arábia Saudita e o Irã. Assim como o sunita Hariri e o xiita Hisbolá sentaram juntos à mesa de governo por anos, antes do início da atual crise. No momento, o mundo é testemunha de que o Líbano pode até estar comemorando o retorno de Hariri e o 74º aniversário de sua independência, mas continua sendo um joguete de potências estrangeiras.

  • Rainer Sollich é chefe da redação árabe online

Fonte: DW

 

2 Comentários

  1. Influenciado pela Arabia Saudita o cagão retornou kkkk
    Sera que ele sabe que seu assassinato pelos Sauditas podera ser usado como bucha ? Creio que não !

  2. REFLEXÃO : A potência sunita, a Arábia Saudita, vê isso como ameaça e quer evitar a todo custo a ampliação da influência iraniana e xiita na região. E o reino saudita é comandado por um jovem príncipe que o serviço secreto alemão, o BND, atestou ser impulsivo e aventureiro na política externa num relatório que foi vazado para a imprensa no fim de 2015.

    No Oriente Medio se dara inicio a terceira guerra mundial que pode se iniciar convencional e terminar atomica !

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