Rússia acumula inimigos com sua ascensão no Oriente Médio

A vitória tem um custo.

Desde que entrou na guerra síria no ano passado, a Rússia teve sucesso em minar o status dos Estados Unidos como única superpotência do Oriente Médio, uma conquista que culminou com a queda de Aleppo.

Essa ascensão transformou Moscou num intermediário indispensável nas negociações da região. Na Europa, também, a onda de imigrantes desencadeada pela guerra síria reforçou o domínio de Moscou, alimentando partidos populistas que simpatizam com o presidente Vladimir Putin.

O assassinato do embaixador da Rússia na Turquia na segunda-feira, no entanto, colocou em evidência o outro lado dessa ascensão vertiginosa. À medida que a influência americana diminuiu, a Rússia ocupou o lugar que os EUA ocuparam por muito tempo na mente de muitas pessoas no Oriente Médio: uma potência estrangeira imperialista encampando uma guerra contra os muçulmanos e o Islã.

Não há nenhum episódio recente de protesto antiamericano na região. Mas em meio à agonia de Aleppo, dezenas de milhares de manifestantes convergiram este mês para as áreas onde estão as missões russas, de Istambul à Beirute à Cidade do Kuwait. Nas manifestações, lideradas por legisladores locais, a mensagem era clara: “A Rússia é o inimigo do Islã”.

O policial turco que assassinou o embaixador Andrey Karlov na segunda-feira gritou que estava vingando o sofrimento de Aleppo, que havia sido submetida a um ano de bombardeio russo antes que o regime sírio e seus aliados xiitas conquistassem as partes dominadas por rebeldes da cidade em semanas recentes.

O assassinato do diplomata, embora condenado pelos governos, foi recebido com alegria nas redes sociais árabes e nos campos de refugiados palestinos.

“A Rússia certamente está sendo vista como o novo vilão do bairro”, diz Hassan Hassan, acadêmico do Instituto Tahrir para a Política do Oriente Médio, em Washington. “A forma como as pessoas reagem ao envolvimento do país na dizimação de uma das cidades sunitas mais reverenciadas no Oriente Médio, Aleppo, é uma reminiscência de como os EUA foram vistos após a ocupação do Iraque. Você só precisa ver como o assassino do embaixador russo foi glorificado em toda a região para ter uma ideia de como a Rússia é desprezada pela população hoje.”

A queda de Aleppo também está intensificando o apoio na região a grupos jihadistas que planejam ataques terroristas no Ocidente, como o Estado Islâmico e o Al Qaeda.

“Há uma sensação de que Aleppo representa uma nova fase”, diz o legislador libanês Basem Shabb. “O nível de fúria é muito alto e não há dúvida de que o que aconteceu lá vai alimentar um monte de extremismo, na Europa e em outras partes do mundo.”

O assassinato de 12 pessoas em uma feira de Natal em Berlim na segunda-feira pareceu ser um desses ataques extremistas. Uma dia depois, o Estado Islâmico assumiu responsabilidade pelo atentado.

Embora o autor do ataque ainda seja desconhecido, esse tipo de ato terrorista na Europa passou a se misturar na mente da opinião pública com o influxo maciço de refugiados que começou depois que a chanceler alemã Angela Merkel, uma das críticas mais duras de Putin no Ocidente, decidiu conceder asilo para os sírios fugindo da guerra no ano passado.

Um coro de políticos anti-imigração em toda a Europa já acusou Merkel, que enfrentará eleições no próximo ano, de ser responsável pela carnificina em Berlim.

O fato de a Rússia ter se tornado um alvo dos jihadistas de forma nunca vista antes ficou claro em outubro de 2015, apenas um mês depois que forças e aviões de guerra russos foram despachados para a Síria. Um avião de passageiros russo foi derrubado sobre a península egípcia do Sinai, com o Estado Islâmico reivindicando a responsabilidade.

Mas o envolvimento da Rússia — com tropas e ajuda financeira — aumentou. A ira contra a Rússia é hoje também mais evidente e não se limita aos jihadistas.

Isso gera um problema para a meta do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, de forjar um entendimento com Putin e o Irã sobre o futuro da Síria. Até recentemente, a Turquia era um dos inimigos mais determinados do regime de Assad, mas suavizou essa postura em troca da aquiescência russa a uma operação militar turca contra o Estado Islâmico e as milícias curdas no norte da Síria. Os ministros de Relações Exteriores dos três países discutiram sobre a Síria em uma reunião na terça-feira em Moscou.

“Desde 2011, a narrativa do governo turco criou e alimentou um eleitorado doméstico que é muito sensível à tragédia na Síria”, diz Sinan Ulgen, ex-diplomata turco que agora chefia o grupo de estudos Edam, em Istambul. Essa abordagem mais prática em relação à Síria “certamente está criando frustração entre estes eleitores.”

Na Turquia e em outros lugares da região, a opinião pública hostil significa que os representantes e as missões da Rússia terão de aplicar as mesmas restrições de segurança que dificultaram o trabalho dos diplomatas americanos por décadas.

No entanto, assim como as manifestações antiamericanas e os ataques a diplomatas americanos não expulsaram os EUA do Oriente Médio, Moscou também não deve ser dissuadido pela morte de Karlov.

Tanto a Turquia quanto a Rússia estão determinadas a não deixar que o episódio prejudique a recente aproximação entre os dois países.

Independentemente do que acontecer, os líderes regionais estão bem cientes que Moscou chegou ao Médio Oriente para ficar.

“Eles querem ser considerados, ter força suficiente para que nada aconteça na região sem seu consentimento”, disse o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul-Gheit, em entrevista aos The Wall Street Journal na semana passada. “E eles estão tendo sucesso.”

YAROSLAV TROFIMOV

Foto: Artyom Korotayev / TASS / Zuma Press – Na Europa, a onda de imigrantes desencadeada pela guerra síria reforçou o domínio de Moscou, alimentando partidos populistas que simpatizam com o presidente Vladimir Putin. 

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: WSJ

 

2 Comentários

  1. Bastante raso e repleto de erros e distorções o artigo deste ucraniano do ‘Washington Post’.

    Destaco somente alguns exemplos (há bem mais…)

    “uma potência estrangeira imperialista encampando uma guerra contra os muçulmanos e o Islã.”

    Negativo.
    Muito resumidamente:
    Esta é, principalmente, uma guerra entre muçulmanos de diferentes linhas,
    sequer é entre o Sunismo e o Xiismo, más entre a corrente radical do sunismo saudita, o wahabismo (Al-Qaeda e EI basicamente tem a doutrina wahabita como guia) e o xiismo iraniano.

    A Rússia apoia a Síria de Assad, que é um estado secular com uma mescla de correntes islâmicas e minorias cristãs, já o EUA/OTAN apoia a Arabia Saudita com seu wahabismo radical e terrorista.


    “A Rússia certamente está sendo vista como o novo vilão do bairro”, diz Hassan Hassan, acadêmico do Instituto Tahrir para a Política do Oriente Médio, em Washington.”

    Se considerarmos o OM como sendo uma “cidade” – e suas diversas vertentes islâmicas, como “bairros” – então alguns bairros, como o do wahabismo saudita, estão com raiva da Rússia sim, más outros bairros ,como os bairros xiitas estão cada vez mais amigos dos russos. Já a grande corrente dos sunitas estão divididos em suas posições…

    “O fato de a Rússia ter se tornado um alvo dos jihadistas de forma nunca vista antes ficou claro em outubro de 2015…”

    Que bobagem monumental, em um momento de extrema fragilidade de seu país, nos anos 90, os russos encararam duas guerras contra o Wahabismo, dentro de seu próprio território, na Chechênia…(E estas guerras tiveram amplo apoio saudita/estadunidense).

Comentários não permitidos.