Plano Brasil/Análise: A TENDÊNCIA DOS CONFLITOS ARMADOS

Por Martín Chahab 

 Conflitos entre Estados [2]

 No transcorrer das duas guerras mundiais do século XX a humanidade perdeu mais de 70 milhões de vidas: a partir de 1945 até a queda da União Soviética, os 40 anos de Guerra Fria, morreram no planeta cerca de 17 milhões de pessoas em conflitos armados e de 1990 até 2003 as guerras levaram mais de 3 milhões de vidas (Marshall: 2003). No total os conflitos armados do século XX provocaram cerca de 90 milhões de vítimas fatais.

Todavia a tendência de baixas em conflitos armados vem diminuindo, embora a quantidade destes conflitos tenha tomado uma direção inversa: desde o fim da Segunda Guerra Mundial vêm sendo deflagrados muito mais conflitos armados em todo o planeta do que em séculos anteriores e essa tendência parece se acentuar cada vez mais. Em síntese, o século XXI está delineando-se como um mundo em constante conflito porém com menos vítimas fatais que nos séculos anteriores.

Nesta análise definimos conflitos como o choque de interesses, ou posições diferentes, sobre valores nacionais, que venha a ter alguma duração e magnitude significativa entre ao menos duas partes (grupos organizados, Estados, grupos de Estados, organizações) que estejam determinadas a perseguir estes interesses e o farão.

 Estes conflitos estão tipificados dentro das seguintes categorias:

Territorial

Secessão

Autonomia

Ideológico/sistêmico

Poder nacional

Predomínio do poder regional

Poder internacional.

Recursos.

A intensidade dos conflitos varia desde os não violentos até os violentos. Dentre os não violentos estão os conflitos latentes e os conflitos manifestos. Dentre os violentos estão as crises, as crises severas e as guerras.

Essas definições e categorizações foram adotadas visto serem as mais aceitas pela comunidade internacional que analisa a problemática dos conflitos. Por fim também podemos definir guerra usando o Direito Internacional Humanitário: guerra é toda luta armada entre dois ou mais Estados.

 Uma forma de se entender essa relação antagônica entre, a quantidade de mortos em conflitos e o número desses conflitos através dos tempos, é levantar uma hipótese vinculando a estrutura do sistema internacional com os conflitos armados: “quanto mais Estados concentrarem o poder nas relações internacionais mais conflitos armados haverá no mundo e ao mesmo tempo mais mortes serão produzidas por eles.” Isto nos leva até uma hipótese complementar muito sugestiva: “em um mundo bipolar se produzirão menos conflitos armados entre os Estados e consequentemente menos vítimas fatais”. Se observarmos as estatísticas históricas veremos que o sistema internacional, finalizado ao término na Segunda Guerra Mundial, provocou mais de 70 milhões de mortos só no século XX, que o sistema bipolar durante a Guerra Fria gerou 16,5 milhões de baixas em conflitos armados e que o atual sistema unipolar regido pelos Estados Unidos reduziu as mortes à cifra de 3 milhões em pouco mais que uma década, quando o número deveria ter sido, segundo a mesma tendência da Guerra Fria, quase 5 milhões de mortos.

A que isso nos leva? Podemos interpretar esses dados no sentido de que a humanidade cuida melhor de si mesma quando existe ruma concentração de poder em um só Estado, que quando da existência de um poder hegemônico que controla os demais Estados há menos guerra entre eles e, em conseqüência, menos mortes. Não podemos negar essa vinculação que temos feito entre as modificações do sistema internacional, a quantidade de conflitos armados entre Estados e a quantidade de mortos. O sistema unipolar mostra que existem menos conflitos armados entre os estados do sistema internacional.

Por outro lado podemos interpretar esta tendência dos conflitos armados no mundo atual injetando novas variáveis e a questão já não se apresentará tão simples e unidirecional como parece. Na realidade existem mais conflitos armados no mundo de hoje que nas etapas anteriores, mas os tipos de conflitos vêm variando. Desde o fim da Guerra Fria observamos o crescimento dos conflitos dentro dos Estados, ou intra-estatais, enquanto os conflitos entre Estados ou inter-estatais têm mantido a mesma freqüência de antes de 1990. Se entre 1946 e 1989 existiram 718 conflitos intra-estatais, nos mais de 13 anos que vão desde 1990 ate 2004 ocorreram 429 situações semelhantes e morreram pessoas em conflitos armados. Se a freqüência atual fosse a mesma que na Guerra Fria teríamos 207 conflitos armados intra-estatais, porém a cifra é maior que o dobro. Isto quer dizer que a lógica que guia estes conflitos modificou-se. Há mais conflitos dentro dos Estados pós Guerra Fria. Enquanto há mais paz entre os Estados do sistema internacional, há mais guerra dentro das sociedades dos Estados.

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Existem várias razões para isso. Heidelberg Institute on Internacional Conflict Research, em sua publicação anual do Barômetro dos Conflitos, vem mostrando que O muitos destes conflitos interestatais no mundo estão sendo resolvidos em nível de latência através de negociações e que  cada vez um menor número deles chega a uma crise armada, muito menos a uma crise severa e menos ainda os que terminam em guerra ou conflito armado. Esta pode ser uma razão importante para se entender o porquê da diminuição dos conflitos armados entre os Estados e o mundo. À primeira vista pareceria que a cooperação entre os Estados vem impedindo que possíveis guerras venham a eclodir, mas na verdade o que tem evitado que muitos conflitos passem da categoria de não violentos a violentos tem sido o trabalho de várias organizações internacionais tais como: Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, União Européia, Comunidade Econômica e Monetária Central, Comunidade Econômica dos Estados do Ocidente, e Organização pela Segurança e Cooperação na Europa, entre outras. Isto se pode observar no gráfico 4, à título de exemplo.

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Uma terceira hipótese que nos permitiria explicar esta diminuição da quantidade de conflitos interestatais é inserir a variável tecnológica em um contexto de profunda interdependência e globalização entre os Estados.

De alguma forma, que investigaremos agora, existe uma dimensão “mundo global” que poderia estar estruturando a dimensão “sistema internacional” de uma maneira cada vez mais profunda. Como sabemos, a globalização (Beck: 1998 ) tem como um de seus pilares mais fortes o desenvolvimento tecnológico aplicado principalmente ao comércio mundial: a maior capacidade tecnológica dos Estados gera maior capacidade para fazer frente aos desequilíbrios apresentados pela globalização e maior capacidade de comercio. Assim as forças de um país que concentre maior capacidade tecnológica podem ter, no futuro, a possibilidade de determinar as lógicas e regras, não só do mundo globalizado (tecnologia e comércio), mas também as relações entre os Estados.

Portanto a tendência atual dos conflitos armados interestatais no mundo já não se vincula, como antigamente a interesses dos Estados, tais como território, soberania ou política do poder, mas sim ao desenvolvimento tecnológico e supremacia comercial, e essa disputa pelo domínio da tecnologia tampouco se relaciona com a industria da guerra e sim com a capacidade de controlar o comércio internacional. Temos então uma nova premissa: quanto maior o comércio mundial baseado na cooperação entre os Estados, menor  a quantidade de conflitos armados interestatais e em conseqüência menor quantidade de mortos. O que vem a ser o mesmo que dizer, maior desenvolvimento tecnológico mais comércio mundial, menos guerras interestatais, menor quantidade de mortos.

          O que observamos até aqui é a ocorrência de uma troca significativa na tendência dos conflitos entre os Estados trazendo consigo uma mudança também significativa nos sistemas de segurança individuais e coletivos, portanto, neste cenário se faz importante repensar para que existem os sistemas de defesa dos Estados e de grupos de Estados.   No atual contexto a explicação derivaria da existência de novas ameaças como o terrorismo internacional, a produção de armas de destruição em massa, etc. Porém essa é uma analise incompleta da questão e não caracteriza tendências em longo prazo, alem de simples explicação contextual. Temos nos concentrado em demasia no ataque às torres gêmeas e deixado de perceber as políticas de poder que subsistem e seguem vicejando no subsolo. Temos tentado sair demasiado rápido dos paradigmas tradicionais das relações internacionais e da análise defensiva talvez pelo forte impacto emocional produzido em todo o mundo quando do ataque, mas também por novas teorias sobre as tendências dos conflitos armados.

Vejamos uma delas. Suponhamos um novo paradigma das relações internacionais pós Guerra Fria: o choque das civilizações. Segundo essa teoria as novas guerras estariam vinculadas  ao enfrentamento entre as diferentes culturas do mundo. Huntington (1993a) expõe em seu trabalho que a civilização ocidental teria, no futuro, que se enfrentar não só com a civilização muçulmana mas também com uma aliança entre muçulmanos e confucionistas (China), que buscaria destruir a supremacia ocidental e cristã. As guerras do futuro seriam culturais centradas no aspecto religioso. Porém, com base no artigo de Andrej Tusicisny (2004), observamos que, utilizando as categorias de análise de Huntington dos conflitos entre as diferentes civilizações, não se produziu o que o autor havia suposto em seu famoso e sugestivo artigo e tampouco existem indicadores de que isso vá acontecer. Ao contrario, os conflitos têm aumentado dentro de uma mesma sociedade enquanto o numero deles, produzidos entre sociedades distintas, tem se mantido constantes.

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O que se pode observar é que os Estados Unidos provocou, durante a Guerra Fria mais de 80% dos conflitos entre a civilização ocidental e as demais civilizações, sem considerarem-se os choques diretos deste com a União Soviética e os processos de descolonização na África e Ásia. Desde a queda do muro de Berlim o mesmo Estados Unidos vem gerando mais de 50% dos conflitos entre a civilização ocidental e as demais. Caberia-nos corrigir a Huntington no sentido de afirmar que não é a civilização ocidental que enfrentará, no futuro, as outras culturas, mas sim que os Estados Unidos enfrentará as demais culturas de forma unilateral ou formando alianças ofensivas.

Neste sentido e tomando-se as definições de civilizações utilizadas pelo autor concluímos que os Estados Unidos tem enfrentado em conflitos armados, nos últimos 20 anos, a dois tipos de culturas: a muçulmana e a latino-americana. Os Estados Unidos enfrentou a Líbia em 1986, o Panamá em 1989, o Afeganistão em 2001 e 2002 e o Iraque na guerra do Golfo em 1998 e em 2003.

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Portanto concluímos que quanto maior o desenvolvimento tecnológico mais comércio mundial, menos guerra entre Estados e menor quantidade de mortos. Conseqüentemente passou-se a acreditar que o comércio mundial é que tem freado os conflitos entre Estados, porém devemos observar que este aumento do comércio mundial está embasado no desenvolvimento tecnológico. Entretanto, o crescimento do PIB de diferentes Estados está baseado em uma maior ou menor exploração de recursos naturais em todo o mundo, e este desenvolvimento tecnológico, por sua vez, tem sido possível graças a exploração dos recursos naturais não renováveis, como o petróleo e o gás. Enquanto tecnologia e comércio mundial avançam esgotam-se os recursos naturais que sustentam este crescimento. Neste sentido, se a humanidade não modificar sua estrutura dependente destes mesmos recursos esgotáveis que fazem funcionar suas indústrias e meios de locomoção, podemos acreditar que haverão choques entre Estados diferentes na busca destes recursos.

Porém a questão não pode ser discutida apenas em termos de modernidade; o cenário realista das relações internacionais tem sido invadido por novos atores: as empresas transnacionais e organismos internacionais. A menos que os Estados Unidos sejam os representantes exclusivos destas empresas globais, o que sabemos não ser verdade. Estes novos atores, que em parte dominam o mundo global (já que pensamos que não o fazem sobre o sistema internacional), também necessitam de recursos naturais dos Estados onde se localizam para atender e sustentar seus interesses. Se supuséssemos que Estados como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, Austrália, Canadá, dentre outros, representam estas empresas então poderíamos concluir que são os interesses das companhias globais que poderiam estar fomentando conflitos armados contra Estados que detenham recursos naturais em abundância como foi o caso da invasão dos Estados Unidos ao Iraque. Porém não fizemos essa suposição, portanto a deixaremos de lado.

Os paises desenvolvidos têm crescido não mais que 3% ao ano. Dois paises, China e Índia, vêm crescendo de forma sustentada acima de 7% ao ano, e ambos têm uma dependência imensa de petróleo e gás, tal qual os paises desenvolvidos. Se refletirmos de forma realista sobre esta situação, podemos supor que rapidamente acontecerá um enfrentamento entre China e Índia e os paises desenvolvidos em busca destes recursos naturais, porém isso não seria provável em vista do atual cenário de interdependência e globalização. Tanto a China como a Índia têm mantido uma relação externa direta com os paises mais desenvolvidos do mundo,  como os Estados Unidos, Japão, Alemanha e França e o comércio bilateral de ambos com  estas potências tem crescido a níveis nunca vistos. As empresas multinacionais destes paises vêm se instalando nos gigantes da Ásia e a China é o segundo possuidor de bônus dos Estados Unidos. Nesse sentido a cooperação econômica tem desempenhado um papel fundamental para que esses laços econômicos entre paises do ocidente e oriente evitem questões que gerariam algum tipo de crise.

Porém a cooperação só é possível em um mundo de abundância. Na escassez não há amigos, só existem rivais. Como sabemos as reservas de petróleo e gás do mundo tem seus dias contados. A menos que se ponham a disposição tecnologias que funcionem com outros tipos de energia e que haja uma transferência tecnológica mundial poderão reaparecer conflitos típicos por recursos naturais escassos que já sacudiram a humanidade em toda sua historia. Esse tipo de conflito armado, já antigo e ao mesmo tempo novo, poderia reaparecer no planeta, já não só entre Estados rivais, mas também com novos atores como os exércitos privados das grandes companhias multinacionais que buscariam defender seus interesses.

 A cooperação e o comércio mundial têm seus limites fixados na base de seu próprio desenvolvimento. Ainda que se possa pensar que, graças ao avanço tecnológico, a humanidade escapará da dependência dos recursos naturais escassos por outro tipo de energia, é importante lembrar que existem demasiados interesses atrapalhando esse caminhar.

2  Aumento dos conflitos intra-estatais

     Até agora discutimos pouco acerca do aumento dos conflitos intra-estatais e mais do aumento da cooperação como marco da globalização. É preciso que se entenda que embora aconteça menor número de mortos nas ultimas décadas, os conflitos dentro das sociedades vêm aumentando.

   Finalizada a Segunda Guerra Mundial a comunidade internacional se viu comovida pelos conflitos armados vinculados a colonização da África e Ásia, que acabaram por englobar a maior parte dos choques entre os paises do ocidente e as demais civilizações. Como já dissemos antes a quantidade desses conflitos entre paises distintos decresceu substancialmente em relação às guerras da primeira metade do século XX. Ao fim da Guerra Fria os conflitos inter-estatais mantinham a mesma freqüência que durante a contenda entre Estados Unidos e União Soviética. A partir da instalação do sistema bipolar podemos observar a intensificação dos conflitos vinculados não só a uma oposição a autoridade estatal e ao poder global, como também o aumento dos conflitos vinculados aos recursos naturais.

           Por outro lado a intensificação da violência nos conflitos manifesta-se particularmente nos que se vinculam a luta pelo poder nacional e é a África o continente onde os conflitos violentos mais se evidenciam seguida pela Ásia e Oriente Médio. Neste sentido tratamos de sociedades mais conflituosas e desorganizadas e a uma mudança traumática. “Os paises menos desenvolvidos apresentam conflitos mais violentos que os paises desenvolvidos”. Assim conflitos políticos e uma grande quantidade de crises étnicas se têm manifestado nessas regiões (Gurr, Marshall e Khosla: 2001).

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Paralelamente os conflitos vinculados a uma oposição ideológica têm aumentado nos últimos anos da década de 2000 e é de se esperar que este tipo de conflito continue aumentando. Porem não os encontramos em todo o mundo, mas sim especificamente nos paises em vias de desenvolvimento, como na América Latina em paises como Argentina, Venezuela e Colômbia. A Ásia é a região que vem apresentando maiores conflitos ideológicos nos últimos anos, como os casos da China, do Laos e Camboja. Também sucede o mesmo no Oriente Médio, especificamente nos enfrentamentos entre Estados Unidos e Israel com os paises árabes. É muito provável que as causas do terrorismo internacional sejam mais ligadas a este tipo de conflito que a outras causas. O fenômeno interessante é sua expansão para além do território no qual têm sua origem. Porem isto de maneira alguma significa, como tentou assegurar Huntington, que a oposição ideológica seja uma oposição cultural entre civilizações distintas.

    Assim, “os paises em vias de desenvolvimento têm mostrado, nos últimos anos, conflitos vinculados à rejeição ao sistema internacional e a globalização econômica”.

 Por outro lado o mundo desenvolvido tem estado vinculado a três tipos de conflitos: os problemas de secessão internos, rejeição ao poder internacional e a disputa por recursos naturais. Do primeiro tipo temos exemplos como o problema Basco na Espanha, a Grã Bretanha com o IRA e o Canadá com Québec. Do segundo tipo todas as pressões aos paises em desenvolvimento pelo controle de armas e energia nuclear, como o caso da Coréia do Norte. Finalmente, nos tipos de conflitos pelos recursos naturais encontramos a invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão e ao Iraque. Neste sentido “os países desenvolvidos têm participado em conflitos armados vinculados a permanência do status quo nas questões domésticas e internacionais”. A característica na Europa desenvolvida é o conflito relacionado a secessão de grupos que buscam afastar-se do controle do Estado Central. Nos países europeus, ex participantes da União Soviética, o conflito típico é a busca de autonomia.

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Cenários possíveis e conclusão

A Ásia vem sendo nos últimos anos a região a mais apresentar conflitos no mundo, mas, ao mesmo tempo, é a região do mundo que mais cresceu em termos econômicos. Uma das razões desta contradição entre crescimento econômico e quantidade de conflitos pode ser a provocada pela cartilha da globalização econômica no sentido em que as grandes empresas buscam regiões do planeta próximas à situações de pobreza, mas não pobres, para instalar indústrias antes situadas em regiões desenvolvidas. Esta nova tendência da economia mundial pode ter provocado na Ásia a grande quantidade de conflitos que vêm se desenvolvendo nos últimos anos. A globalização econômica está causando, não só na Ásia mas sim em toda a Europa, conflitos de secessão dentro dos Estados. Se juntarmos os conflitos que estão relacionados com crises internas (secessão, autonomia, ideológicos e poder nacional) e os compararmos com os que se relacionam com o fator internacional (poder regional, território, poder internacional e recursos) vamos verificar que, como já dissemos, intensificaram-se os conflitos dentro dos Estados em relação aos conflitos entre os Estados. Esta pode ser uma tendência que venha a se reverter se em algum momento esse crescimento econômico se transformar em poder político internacional, especialmente em casos como China, Índia e Japão.

      A África tem sido sacudida já há várias décadas por conflitos relacionados a fatores internos como a luta pela conquista do poder do Estado por vários grupos diferentes. Porem isto não é um fator independente, a luta pelo poder em paises africanos está intimamente relacionada com a luta pelos recursos naturais em relação ao processo de colonização européia e sua posterior descolonização. Neste sentido o continente africano não tem conseguido se desvencilhar de lutas  extremamente violentas visto que a lógica que predominou durante o período colonial parece ainda perdurar impedindo o crescimento econômico. Do ponto de vista dos conflitos armados a África está, todavia, colonizada.

        A América, mais especificamente a América Latina, é uma região que pode ser situada dentro dessa análise de conflitos armados da Ásia e da África, embora não tenha crescido economicamente como aconteceu com a Ásia e também não mostrar a violência da África. A luta pelo território e poder nacional tem mantido uma freqüência histórica na América Latina. Além do caso da Colômbia, começam a aparecer conflitos relacionados ao desequilíbrio produzido pela globalização econômica como costumam ser os conflitos do tipo ideológicos vinculados ao processo de privatizações acontecidos durante a ultima década do século XX. Assim como na Ásia, a América Latina apresenta mais conflitos intra-estatais do que inter-estatais. A tendência será que os conflitos territoriais comecem a minguar, principalmente pela forte atitude latino americana em ser uma zona de paz, porém isso não deixa de lado a possibilidade de um aprofundamento nos enfrentamentos ideológicos e que se acirrem as lutas pelos recursos naturais vinculadas  ao desenvolvimento da Ásia.

         A Europa apresenta dois aspectos visíveis perante esta análise; a Europa desenvolvida, a qual podemos vincular a dois tipos de conflitos: um, ligado a intensificação da força secessionária que tem impulsionado o processo de globalização, como são os conflitos da Espanha, França e Grã Bretanha, mas que tem demonstrado grandes possibilidades de soluções graças ao trabalho das organizações internacionais e a uma política de pacificação interna; dois, vinculado a participação de alguns paises em conflitos por recursos naturais e a poder internacional, como Afeganistão, Iraque e Chechenia.

        A Europa em vias de desenvolvimento, especificamente os paises da ex União Soviética, tem estado vinculada a conflitos territoriais e de autonomia. Neste caso o processo de descolonização econômica e política não têm mostrado a violência africana; é muito provável que este tipo de conflito acabe por minguar na medida em que sejam absorvidos pela parte desenvolvida do continente.

          Sobre o Oriente Médio, questão que não pretendemos abordar amplamente nesse trabalho visto sua complexidade de problemas, podemos afirmar que a região tem concentrado conflitos sobre poder tanto nacional, regional como internacional. Existe uma forte oposição ideológica entre a visão árabe do mundo de um lado e a israelita e ocidental de outro.

         Finalmente devemos esclarecer aqui que nossa proposta não é uma análise exaustiva sobre a questão do terrorismo internacional já que o temos tomado como uma resposta ao tipo de conflito ideológico, o que parece coerente com a presente perspectiva.

       A lógica dos conflitos armados no mundo sofreu uma variação quantitativa e qualitativa. Vemos hoje mais conflitos armados que em outras épocas da história porém com menos violência e menor quantidade de mortos. Ao mesmo tempo os mecanismos de negociação parecem estar fazendo um bom trabalho ao frear muitas crises antes que se chegue a situações de violência. O que podemos evidenciar é que mais pobreza significa mais violência e esta violência é resultado  de um gesto voluntário do ser humano e não uma questão natural e imutável. A humanidade pode decidir ter mais ou menos guerras ao decidir distribuir as riquezas entre os povos que fazem parte dela. A globalização econômica, social, cultural e política do planeta e um modelo único de sociedade não é solução para a pobreza do mundo e muito menos solução para conflitos armados; pelo contrario pode ser um fator que aprofunde as desigualdades e acelere a violência. Porém pode ser também que aproxime mais os povos através da cooperação e do entendimento para solucionar as crises de pobreza que hoje a maior parte da humanidade atravessa. Embora, na verdade, existam pessoas que se divertem vendo mortos em conflitos armados a maioria das pessoas busca a paz como um estado desejado e possível em suas vidas. Neste sentido a paz é possível enquanto existirem vontades que busquem sua construção e estabilidade.

   O desenvolvimento econômico dos povos pode resultar em menos violência, porem  acelera a luta mundial em torno da busca de recursos naturais.  Este é o desafio imenso que têm os paises desenvolvidos e as grandes economias em crescimento. O resultado será, evidentemente, dependente do grau de entendimento e sentido comum que tenham os que vão tomar decisões que afetarão todo o planeta. A forma do sistema internacional pode influir em algumas tendências dos conflitos armados, como vimos ao inicio dessa análise, mas é só uma influência, não uma determinação. A vontade dos povos em busca da paz ou da guerra é a grande determinante que estrutura esta questão. A responsabilidade sobre a guerra ou a paz não é do sistema internacional, da globalização, nem da cultura, dos genes, da religião, nem de Deus. A responsabilidade é do ser humano. Haverá paz se o homem decidir por ela e haverá guerra se ele também decidir.

BIBLIOGRAFIA

Beck, Ulrich, ¿Qué es la globalización? (Barcelona: Paidós, 1998).

Gurr, T., Marshall, M. y Khosla, D. Peace and conflict 2001: A Global Survey of Armed Conflicts, Self-Determination Movements, and Democracy. The Center for International Development and Conflict Management (CIDCM), University ofMaryland, 2001.

Gurr, T. y Marshall, M. Peace and conflict 2003: A Global Survey of Armed Conflicts, Self-Determination Movements, and Democracy. The Center for International Development and Conflict Management (CIDCM), University of Maryland, 2003.

Heidelberg Institute on International Conflict Research. Conflict Barometer 2002: Global Conflict Panorama, December 1, 2002.

Heidelberg Institute on International Conflict Research. Conflict Barometer 2003: Global Conflict Panorama, December 1, 2003.

Huntington, Samuel, P. “The Clash of Civilizations”, Foreign Affairs 72 (3), 1993a.

Marshall, Monty G. “Major Episodes of Political Violence 1946-2002” Center for Systemic Peace, 2003.

Tusicisny, Andrej, “Civilizational Conflict: More Frequent, Longer, and Bloodier?”  Journal of Peace Research, vol. 41, no. 4, 2004.

PÁGINAS DE INTERNET

www.ppu.org.uk: Peace Pledged Union Online.

www.pcr.uu.se/database: Uppssala Universitet.

www.igcc.ucsd.edu: The Institute on Global Conflict and Cooperation.

www.garnet.acns.fsu.edu: The Issue Correlates of War Project. Florida State University.

www.cidcm.umd.edu: The Center for International Development and Conflict Management, University of Maryland.

www.incore.ulst.ac.uk: International Conflict Research.

www.konfliktbarometer.de: Heidelberg Institute on International Conflict Research

Sobre o Autor: Martín Chahab  é cientista político, licenciado pela Universidad de Buenos Aires e  mestre em Defesa Nacional, pela  “Escuela de Defensa Nacional”, da Argentina. martinchahab@hotmail.com Tel. (+54 11) 4899-0375 e :martinchahab@yahoo.com.ar  Tel. (0237) 462-3200

[2] A tradução do original em espanhol para o português foi feita pela escritora  Vera do Val.

Fonte: achegas.net

Edição Plano Brasil

2 Comentários

  1. Estamos caminhando para um mundo multipolar , ou seja , um mundo muito mais instável. A ascenção da China como potência está se mostrando algo ruim pois é uma potência que não exerce seu poder como deveria no plano internacional.
    Era para estarmos entrando novamente no mundo com 2 grandes potências que se contrabalanceassem e gerassem mais equilibrio, mas Pequim é uma decepção !

  2. “Uma nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda.”

    Rui Barbosa

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