Guerra nos Bálcãs Sérvia e Croácia 1990: Veredicto da Corte Internacional de Justiça em Haia ‘não muda o que aconteceu’

Corte Internacional de Justiça afirma que nem sérvios nem croatas cometeram genocídio durante o conflito. Mas então, que nome se pode dar a tudo o que se passou?, questiona o articulista Dragoslav Dedovic.

Dragoslav Dedovic é articulista da redação sérvia da Deutsche Welle

De vez em quando, o jargão jurídico soa terrivelmente impessoal: as elites chauvinistas na então Iugoslávia em processo de desintegração não mostraram nenhuma intenção de aniquilar “um determinado grupo nacional, racial, religioso ou cultural”. Nem todo nem em parte. Assim decidiram, por clara maioria, os juízes da Corte Internacional de Justiça em Haia nesta terça-feira (03/02).

Dezenas de milhares de pessoas morreram no conflito servo-croata, entre 1991 e 1995. Equipados com armas, sérvios e croatas mataram, torturaram, estupraram e expulsaram civis do outro lado. No final, cidades inteiras estavam em ruínas. Comunidades desapareceram por completo de regiões que consideravam há séculos a sua terra natal. Para os juízes da mais alta corte das Nações Unidas, no entanto, isso não foi um genocídio.

Muitos “membros de um grupo” morreram ou tiveram que deixar para sempre suas casas somente por serem croatas ou sérvios. Muitos dos soldados, que até hoje são festejados em Belgrado ou Zagreb como heróis nacionais, foram certamente responsáveis por “graves danos físicos ou mentais a membros de um grupo”.

Os atuais fãs desses “heróis” uniformizados sabem disso. Veladamente, eles admiram seus “heróis” precisamente por essa “coragem” – e têm prazer com isso. Em público, eles enfatizam de forma um pouco mais suave que, ao lutarem por uma causa justa, honrados patriotas não podem ser, por definição, criminosos ou mesmo genocidas.

Agora que nenhum genocídio foi constatado naquele conflito, surge uma nova pergunta: Que nome se pode dar a tudo aquilo que aconteceu na guerra servo-croata? Por que tantos cidadãos tiveram que morrer ou ser expulsos na esteira da desintegração do Estado da Iugoslávia? Como se pode agora resumir o destino das vítimas com uma só palavra? Quem, além das famílias, sente falta dos desaparecidos, das pessoas sem túmulos? O conceito de “crimes contra a humanidade” ou até mesmo o eufemismo cínico “limpeza étnica” consegue chegar ao cerne da questão?

Segundo estimativas, por volta de meio milhão de pessoas participaram das guerras de desintegração da Iugoslávia como combatentes. Muitos deles estão cientes do quão pouco, naquela ocasião, valia a vida de um civil “inimigo”. Em vez disso, o conceito de “genocídio” tornou-se a bandeira predileta da casta política e das massas frustradas na era pós-Iugoslávia.

Os outros eram “genocidas” e nós éramos justos, por sermos vítimas inocentes – assim se pode resumir o pensamento em ambos os lados da fronteira servo-croata. E um olhar sobre os fóruns de internet na região da antiga Iugoslávia dá a impressão de que esse pensamento prevalece até hoje. E que, aparentemente, a guerra servo-croata ainda não chegou ao fim.

O veredicto da Corte Internacional de Justiça não vai mudar isso. É ilusório esperar que servos e croatas venham a entender o veredicto como um estímulo para mais consistência na acusação judicial de criminosos de suas próprias fileiras ou para um resgate histórico mais intenso.

É mais provável que o veredicto dos juízes de Haia venha a ser mal interpretado, em ambos os países, como uma carta branca para si e como um erro judicial com vista à absolvição do outro lado. Assim, mais uma vez, as vítimas de então são instrumentalizadas para a demonstração de força de nacionalistas sérvios e croatas.

Mas as contradições da Justiça internacional em Haia não podem esconder os fatos: mesmo que, de acordo com o veredicto, não tenha havido nenhum genocídio entre sérvios e croatas – na guerra que aconteceu há 20 anos houve crimes hediondos em massa. E eles foram cometidos intencionalmente! E somente alguns representantes das elites de então foram julgados até agora por eles. Isso não é justo.

Fonte: DW.DE

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