Anistia sim!

20080827-blog 29 de agosto de 1979 - IIA transição democrática no país foi um exemplo para o mundo

“Note-se que a esquerda “revolucionária”, hoje tão decantada, ficou totalmente à margem deste processo. Não apenas isso, ela tinha sido completamente derrotada na luta armada, não tendo tido nenhum apoio popular, sendo uma operação militar de intelectuais e estudantes, despreparados, porém ideologicamente bem apresentados.

Atualmente, procura-se envernizar essa esquerda que não tinha nenhum compromisso com a liberdade e a democracia. Hoje, eles posam de combatentes da democracia, quando nada mais eram do que instrumentos de implantação do comunismo/socialismo no país. O seu objetivo consistia em instituir a “ditadura do proletariado” que, enquanto “ditadura”, não pode ser evidentemente democrática!”

Dennis Lerrer Rosenfield (*)

Chamou particularmente atenção, nas últimas semanas, a profusão de notícias e artigos rememorando o golpe (ou contragolpe, segundo a perspectiva) de 1964. É bem verdade que haveria uma razão para isso, uma vez que se trata de 50 anos daquele evento. Não é menos verdadeiro, porém, que os militares estão sendo objeto de um cerco, onde não está somente em pauta uma melhor apuração da tortura, mas, sobretudo, a instituição militar enquanto tal. Não seria apenas um necessário exercício histórico de memória, mas uma operação política com um alvo determinado: a revogação da Lei da Anistia.

Há, ademais, uma série de iniciativas parlamentares que visa explicitamente a essa revogação, restrita, evidentemente, aos artigos que dizem respeito à violência cometida por alguns grupos militares, nenhuma referência sendo feita à violência praticada pela luta armada empreendida por organizações de esquerda. Vale para uns, não vale para outros.

A transição democrática no país foi um exemplo para o mundo, tendo se realizado sem traumas nem eclosão de violência. São inúmeros os exemplos no planeta em que a saída de regimes autoritários ou ditatoriais se deu pela luta armada e, mesmo, pela guerra civil. Não é o caso do país, que fez uma transição pactuada entre os próprios militares democráticos, a oposição, sobretudo personificada no MDB, e os egressos do partido do governo, a Arena, que vieram a fundar o PFL. O seu instrumento central foi a Lei da Anistia, que alcançou todos os envolvidos em atos de violência anteriores. Tratou-se, naquele então, de um grande acordo nacional, maciçamente apoiado pela sociedade brasileira, aprovado pelo Congresso Nacional e, ainda mais recentemente, validado pelo Supremo Tribunal Federal.

A anistia é uma espécie de pacto que viabiliza um novo começo. Se não há um perdão estendido a todas as partes, elas continuam se envolvendo em toda sorte de disputas, recorrendo à violência enquanto um dos seus instrumentos. O futuro se torna refém de um passado não resolvido e estranhamente presente. A partir do momento em que uma sociedade decide voltar-se para o seu futuro, não sendo mais refém de contenciosos pretéritos, ela deve dar-se uma anistia generalizada, para que todos os que se envolveram em lutas se sintam seguros. A partir daí, a violência deixa de ser um instrumento da luta política, que passa a pautar-se por regras republicanas, produzidas por uma espécie de consenso coletivo que, em nosso país, concretizou-se em uma Assembleia Constituinte.

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Anistia não significa esquecimento, mas aprendizado do passado visando a um novo começo. Os fatos passados devem ser apurados, seja lá de que lado for. Isso faz parte da história de um país. Quanto mais um país se conheça, melhores serão as condições de um futuro que não repita os erros do passado. Contudo, para que tal aconteça, a história deve ser uma narrativa fiel dos eventos pretéritos, sem escolha ideológica, descartando os fatos que incomodam os que estão realizando tal narrativa. A tortura deve ser apurada, do mesmo modo que os crimes cometidos pela esquerda. O que não pode é que tal narrativa se torne um faroeste ideológico, com os mocinhos da esquerda e os bandidos da direita.

Note-se que a esquerda “revolucionária”, hoje tão decantada, ficou totalmente à margem deste processo. Não apenas isso, ela tinha sido completamente derrotada na luta armada, não tendo tido nenhum apoio popular, sendo uma operação militar de intelectuais e estudantes, despreparados, porém ideologicamente bem apresentados. Atualmente, procura-se envernizar essa esquerda que não tinha nenhum compromisso com a liberdade e a democracia. Hoje, eles posam de combatentes da democracia, quando nada mais eram do que instrumentos de implantação do comunismo/socialismo no país. O seu objetivo consistia em instituir a “ditadura do proletariado” que, enquanto “ditadura”, não pode ser evidentemente democrática!

Um dos episódios mais retomados nesses últimos meses, como de desrespeito dos militares com os direitos humanos, consiste na guerrilha do Araguaia. Agora, os atores revolucionários são apresentados como combatentes da democracia. Eles eram maoístas e seguiam as diretrizes dessa forma de marxismo asiático. Seu objetivo consistia claramente em criar no Brasil um Estado totalitário aos moldes de Mao. Alguns eram também albaneses, uma variante ainda mais mortífera do maoísmo. Para eles, a democracia era burguesa e, portanto, deveria ser completamente destruída. Neste sentido, o que os militares fizeram ao aniquilá-la foi simplesmente evitar que o totalitarismo maoísta se instalasse entre nós. Liberticidas se tornam combatentes da liberdade!

A presidente Dilma, por sua vez, foi dúbia em suas declarações. De um lado, reconhece a importância da Lei da Anistia, considerando-a como irrevogável. De outro, dá liberdade aos seus ministros para que lutem por sua revogação. Ministros deveriam seguir a posição da presidente, não lhes cabendo contrariá-la. Para tanto, podem renunciar às suas funções. Se um parlamentar petista se manifesta contra a Lei da Anistia, isso é um direito seu, em uma sociedade que se caracteriza pela liberdade de expressão. Não é o caso de ministros, que devem seguir orientações.

O grande problema da revisão da Lei da Anistia consiste em que ela seria uma quebra de contrato, uma quebra de contrato institucional, que se encontra na própria raiz da democracia brasileira. Não se pode, 50 anos depois, deixar o dito pelo não dito como se a palavra que uma sociedade engaja consigo mesma nada valesse. Tal medida não apenas produziria instabilidade institucional, como seria uma péssima sinalização para o futuro. Se acordos políticos podem ser arbitrariamente revogados, não há por que fazê-los, nem, muito menos, cumpri-los. Na verdade, é uma volta da vingança sob a forma do politicamente correto. Mais ainda, tal medida constituiria uma ameaça à própria democracia.

(*) Dennis Lerrer Rosenfield, é Professor d Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Fonte: O Globo, Opinião, Página 12, Segunda-Feira, 21/04/2014 

12 Comentários

  1. O fato é que o Brasil é um dos poucos países que não colocou seus ditadores na cadeia ou mesmo dentro de um caixão.
    Brasil país da impunidade!

    • Nem seus guerrilheiros terroristas,assaltantes de banco, alias o senhor sabia que o comando vermelho foi uma criação de grupos armados de esquerda nos anos 70?

    • por LUCENA
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      ONU cobra “investigação imediata” sobre a morte do coronel que admitiu torturas durante a Ditadura
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      GENEBRA – A ONU cobra das autoridades brasileiras uma “investigação imediata” sobre a morte do coronel da reserva do Exército, Paulo Malhães. Seu assassinato ocorreu na noite da quinta-feira, 24, em um suposto assalto no sítio em que morava na zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
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      A possibilidade da morte ter relação com o depoimento de Malhães na Comissão da Verdade é investigada. Em março deste ano, Malhães prestou à Comissão Estadual da Verdade do Rio depoimento em que relatava ter participado de prisões e torturas na ditadura. Disse também que foi encarregado pelo Exército de desenterrar e sumir com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971.
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      Dias depois, à Comissão Nacional da Verdade, reafirmou ter tomado parte em torturas, mas mudou sua versão sobre o sumiço dos restos mortais de Paiva. O corpo desenterrado, segundo ele, não poderia ser identificado por estar em decomposição.
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      Agora, a ONU quer esclarecimentos sobre sua morte. “É necessário que haja uma investigação imediata para esclarecer os fatos em relação ao caso e aqueles responsáveis precisam ler levados à Justiça”, declarou ao Estado a porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Ravina Shamdasani.
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      Segundo a ONU, a entidade está coletando novas informações sobre o caso e deve se pronunciar ainda nesta semana sobre o assunto.
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      Os esforços do Brasil para lidar com seu passado foram elogiados ao longo dos últimos meses pela ONU. Mas que também exige do País que os responsáveis por torturas, assassinatos e crimes contra a humanidade sejam processados.
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      A ONU também já se pronunciou contra a manutenção da lei de anistia no Brasil, alegando que crimes como o da tortura não podem ser protegidos por uma lei.
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      (**) fonte:[ http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2014/04/28/onu-pede-investigacao-imediata-sobre-a-morte-do-coronel-que-admitiu-torturas-durante-a-ditadura/ ]
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      O cerco está se fechando o povo brasileiro quer saber da verdade,doa em quem doer,já que não podemos colocar os safados ,em especial os de farda, na cadeia pelo menos; os nomes deles !!!

      • Como sempre, desinformado e desinformando… foi constatada MORTE NATURAL pelo IML… INFARTO… vc não sabia ???… tem que mudar suas fontes de leitura… elas são muito viciadas em enganar seus incautos leitores…

    • Caro Carl.

      Também acho que os ditadores, muitas vezes assassinos, ( minha família de políticos foi muito prejudicada por eles) deveriam ser postos na cadeia, mas não vejo o pessoal, aqui do blog, condenar os milhares de crimes cometidos por ditadores comunistas.

      Sei que a opinião dos outros não é responsabilidade sua, porém eu pessoalmente, gostaria de ouvir sua opinião sobre o assunto.
      Como você participa bastante, e geralmente estamos em lados opostos, gostaria de saber sua opinião sobre ditadores soviéticos e chineses.

      Não sou contra o socialismo em si, mas sou comtra ditaduras violentas.

      Colega, não se sinta ofendido é só uma pergunta.

  2. Só podia ser o Dennis!!!

    Esse pessoal que gosta de falar que a “esquerda revolucionária” é frustrada deve ter um parafuso a menos. Aliás, só eles falam em esquerda revolucionária atualmente.

    Não se cansam de repetir o mantra da “transição pacífica”. Pffff. Se alguém reclamasse tava morto, e os que estavam exilados não participaram do processo.

    “Não é o caso do país, que fez uma transição pactuada entre os próprios militares democráticos…”. Essa é a típica frase masturbatória que os que apoiaram/apoiam a ditadura gostam de repetir: militares democratas. Soa angelical… mas não é.

    Pra ficar em apenas um exemplo dos “militares democratas”, é bom que lembremos como eram escolhidos os representantes do poder Executivo das capitais (os únicos núcleos urbanos do Brasil até o fim da década de 1970), dos governos estaduais: por via indireta! E se alguém de esquerda se candidatasse, enfiado dentro do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), tava morto.

    Como se escolhiam os representantes do Legislativo? Muito simples: VOTO VINCULADO. Não conhece? É fácil de entender: se você quisesse votar em um candidato a, digamos, vereador, que pertencesse a ARENA (Aliança Renovadora Nacional – era o partido dos militares e de situação), todos os outros cargos em disputa naquela eleição, e inscritos na súmula que você tinha na mão (prefeitos, vereador, deputado, etc.), também deveriam ser da ARENA. Então, muito DEMOCRATICAMENTE, você não tinha opção desse ou daquele candidato a sua escolha. Ou escolhia apenas candidatos da ARENA, ou apenas candidatos do MDB. E como o medo de descobrirem que você votou no partido da oposição era enorme (as pessoas sabiam que alguns indivíduos misteriosamente “sumiam” depois que aparecia a polícia), aí a maior parte da população votava na ARENA. Não que o outro partido fosse muito melhor só por ser oposição “autorizada”, pois era tão canhestro quanto o da situação, mas servia para pintar um verniz de democracia no Brasil.

    Ninguém gostava disso, mas o medo de que algo acontecesse por reclamar era maior, então a maioria da população ia votar.

    Uma farsa. Simples assim. Pra dizer que os militares eram democráticos.

    E se alguém aí pensou em comícios, pode esquecer que eles não existiam de fato. A maioria da audiência era paga para ir a estas reuniões públicas. E pagas como? Com dinheiro do poder público principalmente. Mas as empresas faziam sua parte “convidando” alguns de seus funcionários para serem “voluntários” no transporte de eleitores para as zonas eleitorais com seus próprios veículos e combustível pago pelos empresarios (a lei eleitoral da época já previa isso como crime… mas o governo não ligava… e não obedecia). E os empresários eram compensados como? Adivinhem? Ganha um doce quem adivinhar quem compensava financeiramete essa atitude “altruísta” do nosso empresariado. Quando vejo alguém dizer que o atual governo “é o que mais roubou no Brasil” começo a rir sozinho pois não viram o que acontecia por aqui durante a ditadura. Pior: não sabem, não querem saber e são incapazes de se desvincularem dessa noção porque foram educados para não pensar.

    Aliás, não pensar é outra grande contribuição da ditadura para nossa História, pois destruíram o sistema educacional da época para criar um monstro que até hoje vive de produzir idiotas. Mas esta ja é outra conversa.

  3. Genuíno, Dirceu e seus seguidores foram sim anisitiados e seguiram carreira política num país democrático e foram presos por um mega esquema de corrupção do qual eles tanto combatiam,parece que a história fez justiça em cima destes canalhas que hoje se consideram presos políticos na maior cara de pau deste mundo.
    Os miseráveis queriam implantar uma ditadura comunistas e ainda se consideram lutadores da democracia e muita cara de pau pro meu gosto esses caras me deixam enojado.Os militares são culpados de não terem dado cobo do Genuíno e sua turma lá no Araguáia e agora ficam tomando tapa de todos os lados só sobrando o apoio popular e as redes sociais para defende-los.

  4. RobertoCR: Todos que votavam no MDB foram perseguidos e mortos? Isso não condiz com os números de desaparecidos durante o regime (menos de 500).

    Quanto ao elogio da ‘transição pacífica’ acho simplesmente ridículo… pois é o mesmo que aconteceu com o Brasil por toda sua história:

    1º independência
    2º República
    3º …e por fim a “Nova” República

    Transição lenta e pacífica pra mim é = “vamos encontrar uma maneira de fingir que o poder trocou de mãos pro povão ficar feliz e nós continuamos a explorá-lo!”

    Desconheço (reforçando – desconheço!) presidente militar que tenha ficado podre de rico em seu mandato.

    Corrupção? Bem aí acho melhor falar com um antropólogo porque essa é, ao meu ver, uma característica do povo brasileiro (exceções à parte não formam regra, só servem para reforçar a mesma).

    Mas ao que me parece (volto a repetir, não sou historiador e acho que nem os mesmos conhecem os “bastidores” de brasília) ‘nunca dantes na história desse país’ houve um aparelhamento do estado como o PT o fez em seus 12 anos de (des)governo.

    Em suma: deixem o que está como está! o que foi feito foi feito e teve total sentido para o momento e conjuntura do país naquela situação!

    PS.: FOD*-** a ONU e o que ela acha da anistia. Aqui é Brasil e se NÓS como nação, através dos NOSSOS instrumentos ‘democráticos’ decidimos por bem e para “felicidade geral da nação” anistiar a todos os NOSSOS ‘agentes da repressão’ e aos NOSSOS ‘subversivos’ essa melequinha de ONU não tem nada haver com isso! Até um guerrilheiro subversivo tupiniquim pode ter voz ativa (isso é uma democracia e eles são afinal – brasileiros) agora a ONU deveria ir se preocupar com a Africa e suas mazelas.

    Sds

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