Para que precisamos dos Estados Unidos?

Fiódor Lukianov

Os políticos ocidentais compreendem que a Rússia decidiu, pela primeira vez, agir como achou necessário, sem deixar espaço para compromissos com a Europa e os Estados Unidos. O que se passa é que a questão da Ucrânia é de tal modo relevante que Moscou não está para reverências. No Ocidente, se desacostumaram com isso e tentam agora fazer a Rússia voltar ao modelo comportamental obediente ao qual se manteve por tanto tempo. A Rússia responde, recordando para o caso de ser necessário, quão alta é a aposta –ninguém aboliu a capacidade de transformar os EUA em “poeira radioativa”. A atmosfera está desagradável, mas é preferível a disputa verbal do que outra qualquer.

Seja como for, as paixões exacerbadas se acalmarão e chegará a hora de voltar ao trabalho. O que podemos esperar da linha de orientação dos EUA? E do que realmente precisamos nós?

Nos tempos soviéticos, os Estados Unidos estavam no centro da atenção do Kremlin. É compreensível –toda a política mundial, na sua essência, se reduzia ao confronto bipolar. Após o final da Guerra Fria, passou a se acreditar que a inimizade tinha acabado e que no seu lugar surgira uma “parceria estratégica”.

Ninguém nunca chegou a explicar o que esse conceito significava, já que pouco tempo depois ele começou a ser desenfreadamente aplicado em relação a todos os países. Na prática, o confronto psicológico não sumiu, mas a assimetria de forças e capacidades, a inexistência de equilíbrio, apenas agravou a esmagadora sensação de insatisfação mútua.

Durante muito tempo existiu na Rússia a ideia de que relações normais com os Estados Unidos eram valiosas por si mesmas e não para a obtenção de algo  concreto. Na teoria era assim. Os Estados Unidos eram o país mais poderoso e avançado do mundo, o que tinha maior influência e possuía as maiores capacidades. Mas na prática a Rússia não aprendeu a usar essas oportunidades para seu próprio benefício, e não é comprovado que isso tivesse sequer sido real. Seja como for, os Estados Unidos não estão prontos para uma interação equitativa, enquanto a Rússia, claramente, não pretende reconhecer a supremacia dos EUA.

Agora não há mais porque falar de parceria estratégica. Significará isso que estamos nos movendo, grosso modo, para o confronto? Dificilmente.

Outros tempos

A Rússia não é a União Soviética. Ela não tem pretensão de hegemonia mundial, nem de domínio ideológico. Moscou traça a linha que considera vital para si (e a Ucrânia entra certamente nessa linha) e, nos limites dela, pretende agir de modo inflexível. No entanto, fazer oposição aos EUA no cenário internacional não é, em si, o objetivo. Este modo de atuar pode ser o meio para lembrar aos outros a existência dessa linha. No restante, Moscou não pretende se transformar em um sistemático oponente dos EUA.

Vale ressaltar que, no background da polêmica sobre a Ucrânia, a remoção das armas químicas da Síria continua sendo feita segundo o cronograma e não houve alteração na posição do Kremlin e do Ministério das Relações Exteriores sobre a  regulação política da questão síria, nem em relação às negociações nucleares com o Irã. Especialmente revelador aqui é o fato de a Rússia não colocar de modo algum em causa a cooperação sobre o trânsito de cargas da Otan vindas do Afeganistão através de Ulianovsk. E tudo isso sob o pano de fundo de declarações mais do que hostis dos representantes militares e políticos das chefias da aliança.

A Rússia, ao que tudo indica, não tem intenção de colocar de lado a sua cooperação com os Estados Unidos naquelas questões onde os interesses dos dois países não se contradizem. Mas também não vai ceder nas questões onde há discordância. Este modelo é bem natural para as relações entre duas grandes potências que não são aliadas. Especialmente no mundo de múltiplas abordagens em que vivemos, onde já não restam oposições simples e dependências lineares.

Ponto coincidente

Qual é então o campo de coincidência dos dois países? Há o Ártico, onde, apesar das paixões muitas vezes infladas, os interesses russos e norte-americanos não estão assim tão longe uns dos outros. Há a questão da não-proliferação nuclear, em que Moscou e Washington, quer se goste ou não, são os principais jogadores e os principais responsáveis. O tema do terrorismo já é muito gasto, principalmente no discurso, mas, ainda assim, existem objetivamente pontos de intersecção.

O mais importante está, provavelmente, em outra coisa. O “divórcio” da Rússia com o Ocidente –e é provável que ele aconteça com base nos mais recentes eventos– acelera a virada de Moscou para o oriente, já anunciado nas altas instâncias. Por si só, isso é o correto a sefazer e já vem tarde –não dá para olhar para o mundo através dos óculos da Europa quando o palco principal se transferiu para a Ásia. No entanto, lá existe outra política, da qual a Rússia não é o participante mais forte.

A China vê o seu lugar no mundo e as capacidades dos restantes parceiros pela ótica do triângulo das superpotências: China–EUA–Rússia. A importância de cada um dos vértices deste triângulo depende das relações com os outros vértices. Aquele “vértice” que perder contato com algum dos outros dois ficará, segundo a perspectiva da China, mais fraco. E mais dependente do terceiro “vértice”. E é nesta geometria que para Moscou é importante manter Washington como uma forma de manutenção do equilíbrio com Pequim e de aumento do seu interesse.

Fiódor Lukianov é presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa

Fonte: Gazeta Russa

 

32 Comentários

  1. O artigo é muito bom e surpreendentemente equilibrado. E a questão principal é que a estabilidade do mundo como um todo depende de uma boa relação entre EUA e Rússia.

  2. Se formos ver realmente as relações entre Russia e EUA hoje,vamos notar o seguinte.

    Obama e um personagem de sitcon,colocado pelo politicamnete correto para dirigir a maior potência do mundo, tão fraco politicamente que até Honduras deve achar que pode peita-lo.

    Putin e um motorista troglodita de trator dirigindo uma mini van, acha que ganhou alguma coisa na Crimeia, mas na verdade deu um tiro no próprio pé, jogando todos os países da antiga orbita sovietica (que tem pavor do socialismo, e intervencionismo russo) no colo do ocidente.

  3. Enquanto os EUA não parar com essa política de cerca a Rússia as coisas vãos e complicar cada vez mais.

    Os EUA vem fazendo tudo para enfraquecer a Rússia, vem derrubando os aliados Russo, principalmente os grandes clientes Russos em armas, principalmente Líbia, Iraque e recentemente a Síria. A Rússia se mostrou incomodado e resolveu não ficar quieto em relação a Síria, pois a Síria é estrategicamente importante para a Rússia.

    Os EUA , Europa , Arábia Saudita e Qatar querem pegar gás da Arábia Saudita para a Europa, só que esse gasoduto precisa passar por território Sírio, mas com Assad no poder isso seria quase impossível. A Rússia não quer deixar isso acontecer, pois quer manter a Europa depende dela em relação ao gás natural.Esse é verdadeiro motivo em que os EUA, Otan e a Arábia terem gastados bilhões de dólares para derrubar os Assad apoiando os terroristas.

    Esse papo de luta por Liberdade e democracia é papo furado, isso é apenas desculpa.

  4. A pergunta é: PARA QUE OS USA PRECISAM DOS DEMAIS ???… se fôssemos como eles, o país mais culto, mais desenvolvido, mais rico e avançado tecnologicamente, não ficaríamos criando tantos motivos fúteis para nos posicionar contra os mesmos em virtude de uma política antiamericanista tola, como se o cerne de nossos problemas terceiromundistas fossem deles… esquecemo-nos que nossas misérias tem raízes na segregação política por que os povos latinos são obrigados a conviver… afora, logicamente, a segregação educacional e social por que passam os povos da sul américa… penso que precisamos sim, dos americanos… agora mais do que nunca, pois corremos o risco de nos tornar pior do que já estivemos em tempos idos… não é sábio nos eximirmos da amizade de um povo que, queiramos ou não, pode ser a tábua de salvação para esse continente mergulhado no NARCO-SOCIALISMO…

  5. kkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    kkkkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    kkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    É os russos abrindo as pernas.
    Querendo se safar da asneira isolacionista que fizeram.
    kkkkkkkkkkkkk!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    De superpotência só o que lhes resta é essa retórica de bombardeio nuclear contra os inimigos.
    Até as formigas comedoras de cães, centopeias, baratas, escorpiões, nojeiras e inconveniências mil, estão se saindo no comercio mundial muito melhores do que eles.


    E daí se percebe algo… o politicamente e humanamente correto desarmamento nuclear pode ser assimilado pelos EUA e até pela China, mas não pela Rússia.
    Já que é só isso de poder real que ela possue.

  6. E ainda tem seu encolhimento populacional, para se preocuparem. Com isso até seu potencial de consumo interno está em jogo.
    Sem nenhuma ironia…………………………Coitados!!!!!

    O futuro russo está com seu horizonte cheio de nuvens negras.

    Pois até as próprias russas estão deixando eles de lado…

    Coitados!!!!!!

    • “Até as formigas comedoras de cães, centopeias, baratas, escorpiões, nojeiras e inconveniências mil, estão se saindo no comercio mundial muito melhores do que eles.”

      ————-
      Impressionante! você definitivamente não sabe do que está falando!

      Em 2013 o superavit comercial da Rússia, em seu comercio exterior, foi de 177 bilhões de dólares!
      E suas reservas cambiais superam U$600 bilhões…

      • Não falei… tudo BALELA… nunca fornecem as fontes… MENTIRA desbotada e fabricada… rsrsrsrsrs… podiam ao menos ter vergonha de vir aqui mentir…

      • Vá pesquisar! Ou espera que depois da sua já costumeira má educação e ofensas, eu vá perder meu tempo contigo?

        E o mentiroso e caluniador aqui é você! E preguiçoso…rsrsrs

      • Alves80,
        Pois é, mas repare que EUA já há alguns anos estão apresentando déficit atrás de déficit. Na Europa, tirando Alemanha, a coisa também, em termos de balança comercial está carregada de déficit.
        Mas as estatísticas da OECD (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento) são bem elucidativas. Onde temos taxas de inflação e muitos outros dados econômicos disponíveis dos países.

        Ou seja, só saldo comercial não diz muita coisa não.
        Interessante é vermos também outros dados.
        Pois por esse ângulo somente (balança comercial), EUA e UE, para um desinformado do mundo (um alienígena) seriam considerados péssimos locais para negócios. O que é bem o contrário.
        Por exemplo, qual o rating da Rússia?
        Sds!

      • Meu caro, aí você está saindo pela tangente, como se diz: Mudando de assunto…;)

        Meu comentário foi uma contestação desta sua frase de efeito e desconectada da realidade:
        ————-
        ViventtBR:
        “Até as formigas comedoras de cães, centopeias, baratas, escorpiões, nojeiras e inconveniências mil, estão se saindo no comercio mundial muito melhores do que eles.”
        —————

        Já uma análise séria e abrangente sobre a situação econômica russa como um todo, requer um estudo mais amplo e com dados efetivos, não meras especulações..

        “UE” é uma rúbrica bastante ampla, más por exemplo, as taxas de desemprego de muitos países da UE e inclusive do EUA…São superiores a taxa da Rússia.

        E qual rating sobre a Rússia você está se referindo?

      • Minha única correção é quanto as reservas russas, que já estiveram em U$ 596 bilhões, más atualmente estão em U$ 493,326 bilhões, a Rússia vem propositadamente diminuindo sua exposição ao dólar…

  7. Aguardem..
    Pois o futuro reserva grandes transformações humanas lá no norte do planeta.
    Hemisfério cheio de arrogantes. Que se acham donos e líderes das demais nações.

    Como muita coisa não vamos ver (apesar de termos conseguido assistir a queda da URSS), pois estaremos mortos… orientem seus filhos e netos sobre esses futuros fatos mundiais… que eles estejam sempre com um olhar crítico e avaliador sobre os futuros acontecimentos para os quais eles já de antemão devem saber que vão acontecer… o grande futuro da humanidade não pertence nem aos orientais, nem aos eslavos, e muito menos aos anglos.

    • …….Mas a policultura e humanidade que vai ser emanada do Brasil… a terra de Vera Cruz…… a terra da Verdadeira Cruz.

      • Somente quem tem olhos para olhar e ouvidos para ouvir pode entender suas palavras, meu caro amigo… saudações…

      • E ainda tem seu encolhimento populacional, para se preocuparem. Com isso até seu potencial de consumo interno está em jogo.
        Sem nenhuma ironia…………………………Coitados!!!!!
        ———————————————-

        Olha, torço para que suas previsões estejam certas, pois também enxergo no Brasil um enorme repositório de valores humanos e potencial espiritual.

        Porém quanto a idade média, que traduz o envelhecimento da população de um país…Estaremos no Brasil, pior do que os russos, se confirmadas as projeções do “United Nations Departament of Economics and Social Affairs”

        O Brasil é o país em que, desde os anos 80, mais é feita apologia gay na redes de tv, rádios, teatro, nos jornais, na produção cultural de massa, etc…É também aqui no Brasil que são feitos os maiores movimentos gays do planeta, como exemplifica os milhões que se reúnem na Paulista todo ano…

        O RESULTADO DISTO É O VERTIGINOSO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO ENTRE 1985 E 2020!

        Brazil
        Median age (years)
        Medium variant
        1985-2020
        Year….Median age
        1985….21.3
        1990….22.5
        1995….24.0
        2000….25.3
        2005….27.0
        2010….29.0
        2015….31.2
        2020….33.3

        Aumento de 56,33% na idade média da população brasileira.
        .
        .
        Segundos projeções do “United Nations Departament of Economics and Social Affairs”:

        No Brasil tropical e gayzista, que tinha altas taxas de natalidade até os anos 80, a população envelhece…

        Já a idade média da população da gélida Rússia, que não admite apologia e propaganda gay, tenderá a se estabilizar e será mais jovem do que a do Brasil, o ex-país do futuro…

        – Em 2.050 a idade média do brasileiro será de 44,4 anos.

        – Em 2.050 a idade média do russo será de 41,6 anos.

        – Em 2.100 a idade média do brasileiro será de 49,8 anos.

        – Em 2.100 a idade média do russo será de 42,4 anos.

      • Acontece, que não temos a preocupação de dois formigueiros humanos ao nosso lado.
        Como os russos com a China e Índia de vizinhos.

        Esse é um dos desafios futuros que a Rússia teme, a entrada dessa gente em seu território, algo que já acontece timidamente na Sibéria oriental com os imigrantes chineses.
        Imagina no futuro esses imigrantes chineses com apoio da China fazerem o mesmo que eles fizeram com a Crimeia mês passado.

      • Ou massacram os chinas ou vão ser massacrados… ai eu quero ver russófilos párias virem aqui defender os eslavos… rssrsrsrsrs… vamos poder lavar a cara deles com as Criméias da vida…:)

      • ViventtBR:

        “E ainda tem seu encolhimento populacional, para se preocuparem. Com isso até seu potencial de consumo interno está em jogo.”
        ———————–

        Quer dizer o envelhecimento da população trará problemas para a Rússia, más não para o Brasil?

        Você mesmo falou da importância da questão do envelhecimento da população sobre o aspecto econômico e agora sai pela tangente, mais uma vez…

      • Até parece que as leis contra o homossexualismo russas impedirão as pessoas de se tornarem homossexuais.

        Intolerância contra os gays é só mais um atraso para a Rússia que sempre foi considerada primitiva e ignorante perante o resto da Europa.

      • Isto é desinformação sua…

        Não existem “leis contra o homossexualismo” na Rússia, ou seja: ninguém vai preso por manter relações homossexuais (desde que o faça com maior de idade e em ambiente privado), o que é punido por lei (muito justo por defender os direitos da grande maioria) é a propaganda e apologia gay, coisa que vemos ser feita no Brasil, intensivamente e há décadas, pelas organizações Globo e mídias corporativas em geral.

      • Propaganda essa incentivada e apoiada pelo governo PETRALHA… ou vc desconhece que a tal maria do rosário é a maior incentivadora e defensora de grupos gayzistas ???… hipocrisia tem limites… o PL 122 de autoria da deputada Iara Bernardi (PT – SP) contradiz o que vc defende. O projeto de lei tem por objetivo criminalizar a homofobia no país (fonte: Wikipedia)… quem será o desinformado ou o grande hipócrita dissimulador ???…

  8. Percebam a arrogância do artigo, já na sua ilustração… cadê a bandeira do Brasil, uma das maiores economias e populações do globo.?!

    É que o Brasil não faz parte do clube de assassinos nucleares.

    Logo, nossa força não chama a atenção.
    É isso…
    Tem uma turma que quer mandar no mundo, ou pelo menos faz o que pode para isso.
    Porém, como a história é cheia de surpresas…………………………………………………………………………………………!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    • Temos desde tsunamis, terremotos, erupções, asteroides, acidentes…. até guerras aniquiladoras… Um dia a casa cai.

      Lembram o que foi a pá de cal da URSS?… Não, não, foi Mikhail Gorbachev… foi Chernobyl em 1986.

  9. …tentam agora fazer a Rússia voltar ao modelo comportamental obediente ao qual se manteve por tanto tempo. “””

    Isso não vai dar pra fazer , eles estão lendo demais alguns blogs rs rs rs .

  10. Essa foi semana na qual as iniciativas da política externa do presidente Obama azedaram; e, para piorar, todas parecem ter azedado ao mesmo tempo.

    Não é fácil dizer por que essa constelação de eventos aconteceu numa espécie de sincronia, mas há poucas dúvidas de que o presidente Obama está diante de um muro de truculência que emana de toda a região. Dos sauditas, sobre virtualmente tudo; de Abu Mazen [Mahmoud Abbas] e da Liga Árabe, sobre reconhecer Israel como estado judeu e a libertação de prisioneiros; ou o desprezo de Moshe Ya’alon, pelo plano de segurança (“engenhoca”) dos EUA; ou a ira dos egípcios, pela acanhada reação dos norte-americanos ante a matança e a condenação à morte em massa de Irmãos da Fraternidade Muçulmana; ou como resultado dos sucessos do presidente Assad, que criou fatos militares suficientes para virar o jogo em campo; ou resultado do humor pendular do Irã que, agora, vê as possibilidades das conversações do grupo P5+1 sob luzes mais escuras; ou as ações de um touro ferido, com sangue nos olhos, que chifra para todos os lados em Ancara.

    Feitas todas essas contas, o presidente Obama tem pela frente tempos políticos nada fáceis e, isso, no momento crucial da campanha para as eleições parlamentares de meio de mandato.

    Para que não pairassem dúvidas, os sauditas disseram com todas as letras que Obama não espere vida fácil em Riad – a menos que esteja preparado para mudar de rota sobre o Irã, ser militarmente proativo na Síria e dar apoio a Sisi, no serviço de esmagar a Fraternidade Muçulmana. Para o caso de o recado não ter sido ouvido, foi repetido, com o anúncio, na véspera da visita de Obama, de que o príncipe Muqrin será o próximo, na linha de sucessão, depois do atual Príncipe Coroado. Em outras palavras, o Reino Saudita está declarando: “EUA, nem pensem em interferir na sucessão, com o favorito de vocês, príncipe Mohammad bin Naif”.

    E para deixar bem claro ao presidente Obama que as coisas não serão fáceis tampouco nas conversações Israel-palestinos, a Liga Árabe alinhou-se – com Abbas – em declarações que parecem estar comprometendo todos os membros da Liga Árabe com a posição de “rejeição absoluta” a qualquer reconhecimento de Israel como estado judeu. Foi tranco suficiente para que o secretário de Estado deixasse Roma e voasse diretamente a Amã, para tentar salvar pelo menos em parte as conversações de depois do fim de abril, e conseguir, que seja, alguma espécie de “mapa do caminho” desbotado.

    E no Egito, um dia antes da visita do presidente Obama, Sisi anunciou que é candidato à presidência, notícia há muito tempo adiada. Em resumo, está dizendo aos EUA “Estou aqui para ficar. Vocês não têm escolha: têm de trabalhar comigo, gostem ou não gostem”.

    E acima e em torno de todos esses itens, paira o relacionamento dos EUA com a Rússia. Já argumentamos em vários “Comentários” anteriores que a política de Obama para o Oriente Médio tornou-se pesadamente dependente de uma relação necessariamente privada, nunca comentada, com o presidente Putin. Já seria necessário que assim fosse – sem cenas públicas, próxima, pode-se dizer íntima, próxima do coração de Obama – por causa das animosidades residuais da Guerra Fria que persistem, se não também em muitos outros pontos, pelo menos dentro da própria “equipe de rivais” do governo Obama, que está furiosa por causa da Síria, furiosa por causa das negociações com o Irã e profundamente ressentida, obrigada a assistir ao ressurgimento da Rússia.

    Parece que, empurrado para as cordas do confronto contra Putin, por membros neoconservadores de seu governo, na disputa pelo mais improvável dos butins (só não é improvável, é claro, para o contingente neoconservador de seu próprio governo), o presidente Obama ficou sem escolhas, obrigado a reconhecer que a Ucrânia sobretudo, para muitos norte-americanos, é um símbolo psicológico. O que, se não isso, explicaria que um estado remoto, pequeno, falido, assuma tal significação e desperte emoções tão apaixonadas entre as elites políticas?

    É profundamente perturbador, e desperta ódios só parcialmente sublimados, que o mundo não esteja caminhando pela história linear, como “deveria”.

    O presidente Putin está, efetivamente, negando a narrativa de um “fim da história” pela qual todos nós convergiríamos para a órbita da globalização liberal norte-americana e seu séquito, sempre presente, sempre de autoperpetuação, de “conjunto de regras”. E ao fazê-lo, os russos estão pondo em questão algo muito fundamental sobre como alguns norte-americanos e europeus se autodefinem.

    Parece que Obama vê isso, e está entendendo que, a menos que ele responda à psicologia do momento, a ira sublimada dirigida contra a Rússia, virar-se-á contra ele.

    Em Bruxelas essa semana ele, portanto repetiu a questão da Ucrânia nos termos da mesma narrativa simples: desafiando o presidente Putin, Obama diz que os eventos na Ucrânia nada têm a ver com a aliança ocidental explorar o sul vulnerável da segurança da Rússia, mas devem ser corretamente compreendidos como nada além de um ocidente civilizado que apoia o progresso linear, regular, em direção à liberdade, ao individualismo e à democracia. E, com todos progredindo e ascendendo por essa trajetória, todos naturalmente nos dirigimos para aceitar o ‘’conjunto de regras’’ que governa e difunde-se por esse mundo conectado, globalizado. Não há lugar para os que recusem a ordem internacional ou desrespeitem o “conjunto de regras” que subjaz e dissemina a conectividade liberal global.

    Provavelmente, o presidente Obama não tinha outra escolha que não fosse essa posição simplória de apoio à história linear – pelo menos, para se autovacinar contra acusações de ter contribuído para que a liderança excepcional dos EUA fosse diluída e deixada perecer. Afinal, o excepcionalismo norte-americano depende existencialmente da história linear.

    Mas essa abordagem – embora talvez obrigatória, em termos do eleitorado doméstico de Obama – põe abaixo a política de Obama para o Oriente Médio.

    Ao negarem à Federação Russa, ao Irã ou à Síria o direito a uma visão alternativa coerente de seu próprio futuro, os EUA tentam outra vez prender-se pelas próprias garras à narrativa de uma sua liderança global – e retomar o papel de “moralizador-em-chefe” e único árbitro do que sejam pensamento e comportamento normais e anormais. Essa ideia mancha e complica qualquer negociação de política externa, e dificulta muito todas elas.

    Já está dividindo a Europa (adiante, mais sobre isso); chineses e russos sentir-se-ão repelidos; e fará o Irã resistir mais firmemente a todas as demandas dos EUA.

    Em termos práticos, Obama – ante um Oriente Médio truculento – deve desejar que as tensões com a Rússia sejam discretamente desescaladas (apesar do discurso que fez em Bruxelas) e que ele consiga reencontrar algum tipo de relacionamento de trabalho com o presidente Putin. Assim, terá ainda alguma probabilidade de salvar alguma coisa de sua política exterior, ante o assalto que lhe movem seus adversários ideológicos. Resta uma pequena possibilidade de que consiga [e depende de Putin]: embora a Rússia deva, com certeza, orientar de outro modo sua política externa à luz dos eventos na Ucrânia, o presidente Putin sempre se mostrou muito hábil no trabalho de separar ‘os casos’. Putin pode manter-se em posição de oposição em alguns casos chaves, e mesmo assim cooperar em outros.

    Trecho retirado de http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/04/conflicts-forum-comentario-semanal-de.html

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