LEITURA ATUALÍSSIMA SOBRE A ATUAL CRISE BANCÁRIA NOS EUA

21Entrevista concedida por Anna Schwartz a Brian M. Carney e publicada no The Wall Street Journal, em 24/10/2008, onde Schwartz critica Alan Greenspan e o atual presidente do FED, o Banco Central dos EUA, Ben Bernanke

“Nos anos 1930, como afirmam Anna  Schwartz e Milton Friedman em “A Monetary History of the United States” (1963), relato de como uma política monetária mal conduzida transformou o “crash” do mercado de ações em 1929 na Grande Depressão, os Estados Unidos e o Fed estavam diante de uma crise de liquidez bancária. Os bancos quebravam e os depositantes ficavam alarmados com a possibilidade de perder seu dinheiro se seus bancos também quebrassem. Teve início uma corrida aos depósitos. “Se os tomadores não tivessem sacado seu dinheiro, os bancos teriam permanecido em situação boa. Mas o Fed não fez nada e, assim, um banco após outro foi quebrando. Isso motivou ainda mais os depositantes a sacar dinheiro de bancos que não estavam com problemas, provocando mais falências.”

“Não é isso que está acontecendo agora”, diz Schwartz. Hoje, os bancos têm um problema no lado dos ativos de seus balanços – “todos esses títulos exóticos que o mercado não sabe como avaliar”.

“Por quê são ‘tóxicos’?”, pergunta Schwartz. “São tóxicos por que você não pode vendê-los, não sabe o que valem, seu balanço não tem credibilidade e todo o mercado se congela. Não sabemos para quem emprestar por que não sabemos quem está sólido. Portanto, se você conseguir se livrar deles, a coisa melhora.” A única maneira de “se livrar deles” é vendê-los e é por isso que Schwartz acha que a proposta original do secretário do Tesouro, Hank Paulson, de comprar esses ativos dos bancos “foi um passo na direção certa”.

O problema é como dar preço a ativos “tóxicos” que ninguém quer. E por baixo desse problema existe outro, mais complexo: se forem precificados aos atuais níveis de mercado, sua venda levaria muitas instituições à insolvência instantânea. Os temores que estão amarrando os mercados de crédito se materializariam e vários bancos provavelmente quebrariam.

Schwartz não diz, mas foi isso que levou o secretário do Tesouro, Hank Paulson, a mudar da compra de ativos dos bancos para sua recapitalização. Ao fazê-lo, porém, desistiu de tentar salvar o sistema bancário, para tentar salvar os bancos. Ao tentar manter respirando bancos que de outra forma estariam insolventes, diz Schwartz, o Fed e o Tesouro prolongaram a crise.

“Empresas que tomaram decisões erradas deveriam falir”, afirma Schwartz. “E uma vez que isso fica estabelecido como princípio, o mercado reconhece que faz sentido. Tudo funciona melhor quando decisões erradas são punidas e decisões certas tornam você rico.””

 AnnaSchwart

Anna Schwartz critica Greenspan e Bernanke

Brian M. Carney, The Wall Street Journal

24/10/2008

Os mercados de crédito continuam congelados, o mercado de ações continua a ser castigado e uma recessão profunda agora parece ser uma certeza – se é que já não é uma realidade. A maioria das pessoas nunca viu um aperto de crédito como o atual. Anna Schwartz, 92, é uma exceção. Ela não só tem idade suficiente para se lembrar do período entre 1929 e 1933, como também sabe mais sobre a história monetária e bancária do que qualquer pessoa viva. Ela escreveu, junto com Milton Friedman, “A Monetary History of the United States” (1963), relato de como uma política monetária mal conduzida transformou o “crash” do mercado de ações em 1929 na Grande Depressão.

Anna Schwartz, contra socorro a bancos: “Empresas que tomam decisões erradas deveriam falir. E uma vez que isso fica estabelecido como princípio, o mercado reconhece que faz sentido.”

Schwartz trabalha desde 1941 no National Bureau of Economic Research, em Nova York, onde nos encontramos para uma entrevista. Ela está usando uma cadeira de rodas, depois de ter sofrido uma queda, e lamenta suas “muitas enfermidades”. Mas são apenas males físicos. Sua mente está afiada, como sempre. Ela fala com paixão a respeito da atual crise financeira, e uma pitada de resignação. E ao analisar a maneira como as autoridades vêm-se conduzindo, não gosta do que vê.

O presidente do Fed, Ben Bernanke, chamou “Monetary History” de “a principal e mais convincente explicação sobre o pior desastre da história americana”. Schwartz acha que os bancos centrais e o Departamento do Tesouro americano estão errando de novo.

Para entender por que, é preciso entender a natureza dos atuais “distúrbios no mercado de crédito”, como Schwartz os chama. Ouve-se que os bancos não vão emprestar uns aos outros, ou farão isso apenas a taxas de juros punitivas. Os “spreads” – a diferença entre o que custa para o governo tomar emprestado e o que os tomadores do setor privado precisam pagar – estão em níveis históricos de alta. Isso não se deve a falta de dinheiro para emprestar, diz Schwartz, e sim a uma falta de confiança na capacidade dos tomadores de pagarem suas dívidas. “O Fed vem agindo como se o problema fosse falta de liquidez [mas] o problema básico para os mercados é a incerteza quanto à credibilidade dos balanços das instituições financeiras.” Portanto, embora o Fed tenha inundado os mercados de crédito de dinheiro, os “spreads” não se movem por que os bancos não sabem quem ainda está solvente e quem não está.

Nos anos 1930, como afirmam Schwartz e Friedman em “Monetary History”, os Estados Unidos e o Fed estavam diante de uma crise de liquidez bancária Os bancos quebravam e os depositantes ficavam alarmados com a possibilidade de perder seu dinheiro se seus bancos também quebrassem. Teve início uma corrida aos depósitos. “Se os tomadores não tivessem sacado seu dinheiro, os bancos teriam permanecido em situação boa. Mas o Fed não fez nada e, assim, um banco após outro foi quebrando. Isso motivou ainda mais os depositantes a sacar dinheiro de bancos que não estavam com problemas, provocando mais falências.”

“Não é isso que está acontecendo agora”, diz Schwartz. Hoje, os bancos têm um problema no lado dos ativos de seus balanços – “todos esses títulos exóticos que o mercado não sabe como avaliar”.

“Por quê são ‘tóxicos’?”, pergunta Schwartz. “São tóxicos por que você não pode vendê-los, não sabe o que valem, seu balanço não tem credibilidade e todo o mercado se congela. Não sabemos para quem emprestar por que não sabemos quem está sólido. Portanto, se você conseguir se livrar deles, a coisa melhora.” A única maneira de “se livrar deles” é vendê-los e é por isso que Schwartz acha que a proposta original do secretário do Tesouro, Hank Paulson, de comprar esses ativos dos bancos “foi um passo na direção certa”.

O problema é como dar preço a ativos “tóxicos” que ninguém quer. E por baixo desse problema existe outro, mais complexo: se forem precificados aos atuais níveis de mercado, sua venda levaria muitas instituições à insolvência instantânea. Os temores que estão amarrando os mercados de crédito se materializariam e vários bancos provavelmente quebrariam.

Schwartz não diz, mas foi isso que levou Paulson a mudar da compra de ativos dos bancos para sua recapitalização. Ao fazê-lo, porém, desistiu de tentar salvar o sistema bancário, para tentar salvar os bancos. Ao tentar manter respirando bancos que de outra forma estariam insolventes, diz Schwartz, o Fed e o Tesouro prolongaram a crise.

“Empresas que tomaram decisões erradas deveriam falir”, afirma Schwartz. “E uma vez que isso fica estabelecido como princípio, o mercado reconhece que faz sentido. Tudo funciona melhor quando decisões erradas são punidas e decisões certas tornam você rico.”

Em vez disso, ficamos ouvindo falarem na maior parte do último ano sobre “risco sistêmico”. Schwartz não concorda com essa idéia. “É muito fácil, quando você é um participante do mercado, alegar que não se deveria fechar uma empresa que está em situação difícil por que todos que emprestaram para ela serão igualmente prejudicados. Se emprestaram para uma empresa que consideravam bastante sólida, a responsabilidade é deles. O governo não tem de salvá-los, como não salvou os acionistas e os funcionários do Bear Stearns. Por que deveriam se preocupar com os credores? Os credores não são mais dignos de serem resgatados do que as pessoas comuns, realmente inocentes em relação ao que está acontecendo.”

É preciso ter coragem para deixar uma instituição poderosa quebrar. Mas a alternativa – o atual congelamento do crédito – é pior, afirma Schwartz. “Acho que, se você tem alguns princípios e sabe o que está fazendo, o mercado responde. Ele vê que suas ações têm uma certa estrutura, que não são ad hoc – você vai fazer isso hoje, mas fará algo diferente amanhã. E o mercado respeita as pessoas em posições de supervisão que parecem estar no comando do que está acontecendo. Portanto, acho que se você é duro com firmas que investiram errado o mercado não vai culpá-lo. Mas quando as autoridades finalmente decidiram deixar o Lehman Brothers quebrar, já haviam salvado tantos outros que o mercado não sabia mais como reagir. Em vez de demonstrar que têm princípios, as autoridades se mostraram erráticas e inconstantes.”

Assim como aconteceu na década de 1920, os “distúrbios” atuais começaram com uma “mania”. Mas sempre há uma causa para as manias. “Se você investiga individualmente as manias que tomaram conta do mercado ao longo dos anos, em todos os casos foi uma política monetária expansionista que gerou o boom de um ativo.”

“O ativo variou de um boom para outro. Mas o propagador básico foi uma política monetária frouxa demais e juros baixos demais, que induziram as pessoas a dizer que está tão barato adquirir os objetos de desejo daquele boom de ativos que elas vão em frente e compram esses objetos. E então, é claro, quando a política monetária passa a ser apertada, o boom entra em colapso.”

O boom dos preços residenciais começou com as taxas de juros muito baixas dos primeiros anos desta década, sob a presidência de Alan Greenspan no Fed.

“Agora, Greenspan acrescentou um epílogo às suas memórias, “Time of Turbulence”, sobre o que está acontecendo no mercado de crédito”, diz Schwartz. “Ele diz: ‘É verdade que a política monetária era expansionista. Mas não há nada que um banco central possa fazer nessas circunstâncias. O mercado ficaria muito descontente se o Fed tivesse endurecido. Iriam imaginar que não era somente o boom dos ativos que estava sendo eliminado’.” Em outras palavras, Greenspan “se absolve. Não havia realmente uma maneira de acabar com o ‘boom’ por que você estaria infligindo um dano colateral a áreas da economia que você não iria querer prejudicar”.

Schwartz acrescenta: “Não acho que essa é uma resposta adequada àqueles que afirmam que, na ausência de uma política monetária acomodativa, esse ‘boom’ nos preços dos ativos não teria acontecido.” As políticas baseadas nesse pensamento somente levam a uma contração mais danosa da economia quando a mania termina, e ela sempre termina. “Em geral, é mais fácil para um banco central ser acomodativo, ser mais solto, promover condições que fazem todo mundo sentir que as coisas estão indo bem.”

Entre todas as pessoas, o presidente do Fed, Ben Bernanke, deveria entender isso, diz Schwartz. Em 2002, Bernanke, na época um presidente regional do Fed, disse em discurso em homenagem ao 90º aniversário de Milton Friedman: “Eu gostaria de dizer a Milton e a Anna, em relação à Grande Depressão: Vocês estão certos, nós fizemos aquilo. Sentimos muito. Mas, graças a vocês, não vamos fazer de novo.”

“Essa foi a alegação dele para significar que vale a pena comandar o Fed”, diz Schwartz. Ele estava “familiarizado com a história. Sabia o que precisava ser feito”. Mas talvez esse seja de fato o maior problema de Bernanke. A crise atual não é uma repetição do problema da década de 1930, mas nossos banqueiros centrais vêm respondendo usando as ferramentas que deveriam ter usado na época. Eles estão lutando a guerra passada. O resultado, afirma Schwartz, vem sendo o fracasso. “Não vejo que conseguiram o que deveriam estar tentando conseguir. Portanto, meu veredicto sobre a atual liderança do Fed é que ela não está realmente fazendo seu trabalho.”

(Tradução de Mario Zamarian)

Fonte: The Wall Street Journal, 24/10/2008, – Valor via YAHOO! Brasil 

Leia também:

SUGESTÃO DE LEITURA: POR QUE SAÍ DO GOLDMAN SACHS

“O autor, Greg Smith, detalha como o banco mais poderoso do mundo, que participou da abertura de capital de empresas emblemáticas como Ford, Sears e Microsoft, se tornou um vampiro, que se referia aos clientes como “fantoches” e pagou a multa recorde de meio bilhão de dólares à Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA.
Smith mostra a transformação de Wall Street em uma indústria dividida por causa de conflitos de interesse e pela mentalidade do lucro acima de tudo, à custa do próprio sistema econômico e da sociedade como um todo.”
Por que Saí do Goldman Sachs
Sinopse: “Em março de 2012, Greg Smith publicou um artigo no jornal The New York Times intitulado “Por que estou saindo do Goldman Sachs”. O texto rapidamente se espalhou pela internet, e provocou respostas enérgicas por parte do mercado financeiro e até do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.
A história começa no ano 2000, quando Smith, então com 21 anos, iniciou sua carreira no Goldman Sachs como estagiário, sendo apresentado ao princípio número 1 dos negócios do banco: “Os interesses de nossos clientes vêm sempre em primeiro lugar”. Esta frase permaneceu como o mantra de Smith ao longo de sua ascensão dentro da empresa, com uma carteira de clientes que administrava mais de três trilhões de dólares em ativos.

O autor, Greg Smith, detalha como o banco mais poderoso do mundo, que participou da abertura de capital de empresas emblemáticas como Ford, Sears e Microsoft, se tornou um vampiro, que se referia aos clientes como “fantoches” e pagou a multa recorde de meio bilhão de dólares à Comissão de Títulos e Câmbio dos EUA.

Smith mostra a transformação de Wall Street em uma indústria dividida por causa de conflitos de interesse e pela mentalidade do lucro acima de tudo, à custa do próprio sistema econômico e da sociedade como um todo.

Depois de falar com nove sócios do Goldman Sachs ao longo de um período de doze meses, Smith se convenceu de que a única forma de o sistema mudar seria por meio das declarações de alguém que já fez parte dele. Ele abandonou sua carreira e tomou a questão em suas mãos.

Esta é sua história.”

Livro: “Por que Saí do Goldman Sachs”

1a. edição, 2013

Greg Smith

Leya

Fonte: Livraria Folha