Queda das commodities sugere fim de ciclo de crescimento na América Latina

economy Down Arrow PhotoMarcelo Justo

Da BBC Mundo

A queda no preço internacional das commodities, que está em seu nível mais baixo desde a metade do ano passado, vem criando incertezas quanto à manutenção do progresso econômico na América Latina, cujo crescimento entre 2002 e 2012 dependeu fortemente do valor elevado dessas matérias-primas.

Só neste ano, o preço da prata caiu 23%, o do cobre, 12%, e do ouro, 17%. Já a cotação do minério de ferro caiu pela metade, o barril de pétroleo se mantém abaixo dos US$ 100 (R$ 200) e a soja já viveu tempos melhores.

Apesar de algumas exceções, como o milho, o impacto na economia da região é claro.

Os preços atuais de algumas matérias-primas – tanto produtos primários energéticos (petróleo e gás, por exemplo) quanto metais industriais (cobre, alumínio) e produtos agrícolas (soja, trigo) – equivalem a um terço da cotação recorde alcançada há cinco anos e ainda se mantêm abaixo dos preços de 2010 e 2011, período durante o qual a economia mundial começou a se recuperar da crise financeira.

Para o diretor de matérias-primas do banco de investimentos dinarmarquês Saxo Bank, Oles Hansen, foi quebrado o vínculo que existia entre investidores e commodities nos últimos anos.

“Você não pode dizer que o chamado ‘superciclo’ das matérias-primas terminou, mas é claro que estamos entrando em um período em que não veremos uma escalada de preços como nos últimos anos”, disse Hansen à BBC.

Esse superciclo, que começou em 2002-2003 com a plena incorporação da China no comércio mundial, resultou em um período de crescimento sustentado na América Latina.

Mas, se efetivamente estamos ao final de um período excepcional, um questionamento plausível é se nos encontramos à beira de uma nova crise.

China e especulação

Xi Jinping / ReutersDesaceleração da China, comandada pelo premiê Xi Jinping (foto), pode ter impacto na América Latina

A resposta a esta pergunta depende em grande parte do entendimento sobre as causas que levaram ao aumento dos preços das matérias-primas.

Para alguns analistas, um dos motivos foi o choque entre oferta e demanda, na esteira do crescimento global. Em outras palavras: mais pessoas passaram a consumir mais produtos que, sem a devida contrapartida na produção, sofreram aumento de preço.

Por essa razão, dizem eles, não é errado supor que, por conta do mau desempenho da economia global, haja, também, uma queda na demanda e, com ela, uma redução dos preços daqui para frente.

“A demanda da China foi fundamental para o aumento dos preços. Mas a economia chinesa está crescendo menos. O país está mudando a partir de um modelo baseado em exportações para um mais voltado para o consumo. Os dois fatores estão afetando a demanda por matérias-primas. E a economia global não está no seu melhor”, explica Hansen.

O cobre, por exemplo, ilustra bem essa situação. A China é, hoje, responsável por 20% da demanda mundial do produto. Se, hipoteticamente, o país só crescer 5%, contra os 7,8% previstos para este ano, estima-se que o Chile, o maior produtor da matéria-prima no mundo, registraria uma queda em seu PIB de 1% (US$ 2,7 bilhões, cerca de R$ 5,4 bilhões).

Mas nem sempre o aumento – ou redução – do valor das commodities pode ser explicado pelo desequilíbrio entre oferta e demanda. Há também a especulação de preços.

Segundo José Gabriel Palma, especialista em economia comparativa da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, os preços das commodities ficaram inflados porque a “gigantesca casa de apostas” que é a globalização financeira se tornou muito arriscada na crise.

Ele explica que, em uma situação de turbulência econômica como a dos últimos anos, “os mercados financeiros internacionais estão tão líquidos (com recursos) e com tão poucas alternativas relativamente seguras que as commodities que crescem pelo menos 4% se tornam muito atraentes”.

Mas agora está havendo uma transição. A economia global ainda não se recuperou totalmente da crise que eclodiu em 2008, mas as bolsas de valores de Nova York, Londres e Frankfurt já alcançaram níveis pré-crise.

Isso significa que as commodities já não são tão preferidas como antes.

Fragilidade

Minério de ferro / AFPProdutos primários, como o minério de ferro (foto), ainda têm papel preponderante nas exportações

Seja pelo choque entre oferta e demanda, pela especulação ou por uma combinação de ambos, fato é que a América Latina continua a manter sua dependência histórica dos produtos primários.

Tal cenário é particularmente acentuado na América do Sul, onde as commodities representam 74% da pauta de exportação.

Na Venezuela, Equador e Chile, a incidência de produtos primários e manufaturados com base em recursos naturais é ainda maior: cerca de 90%.

Na Bolívia, Bolívia, Paraguai e Peru, mais de 80% das exportações são de produtos primários ou manufaturados com base em recursos naturais, enquanto que na Argentina, na Colômbia e no Uruguai essa taxa é de 60%.

No Brasil, a proporção é de 54%, ainda muito alta quando comparada com as dos países desenvolvidos.

Nesse contexto, é inevitável que uma queda no preço das matérias-primas tenha um claro impacto sobre a balanço de pagamentos desses países (o resultado de todas as receitas e despesas de divisas – exportações, remessas de royalties, lucros, importações, etc), que é considerada um pilar de sustentabilidade econômica.

Para analistas, no entanto, o impacto vai depender da profundidade da queda. Os mais otimistas acreditam que a atual redução dos preços é um fenômeno temporário e que os produtos, embora não voltem aos valores recorde de antigamente, permanecerão com alguma vivacidade econômica.

“À medida em que a economia mundial volta aos eixos, a demanda por produtos primários vai se recuperar”, disse Olsen à BBC Mundo.

Analistas afirmam que a demanda produtos energéticos e metais industriais é mais “elástica”, ou seja, mais dependente do desempenho econômico global.

Já em relação aos produtos agrícolas, a situação é distinta, porque os seres humanos precisam de comida para sobreviver e, exceto em casos de desastre ou guerra, a demanda apresenta uma tendência à estabilidade.

Mas a realidade é que, historicamente, o preço das matérias-primas tem sido caracterizado pela sua volatilidade. O que não quer dizer que os recursos naturais sejam uma espécie de “maldição”.

Exemplo do Oriente

Hyundai / ReutersCoreia do Sul investiu o dinheiro da venda de produtos primários em sua própria industrialização

Na década dos anos 60, a Coreia do Sul dependia de alguns produtos primários: algas marinhas, seda natural e minério de ferro.

O país tirou proveito desses recursos para financiar um dos processos de industrialização de maior sucesso do século 20.

O minério do ferro foi transformado em aço e contribuiu para a criação de uma indústria automobilística, que se internacionalizou. A Coreia do Sul inundou o mundo com suas próprias marcas, de diferentes setores industriais.

Outro caminho para aproveitar as vantagens dos recursos naturais é a criação dos fundos anticíclicos, financiados a partir dos ingressos obtidos com a venda das matérias-primas.

O Chile criou um fundo em 2010, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2011, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) constatou em um relatório no ano passado que a América Latina tinha aprendido algumas lições do passado.

“Desde 2008, a dívida externa do setor público diminuiu, e as reservas internacionais aumentaram nas economias exportadoras de commodities”, informou o relatório.

Fonte: BBC Brasil

9 Comentários

  1. “Coreia do Sul investiu o dinheiro da venda de produtos primários em sua própria industrialização”… Este seria o melhor dos mundos, mas, temos o suficiente para também investirmos na nossa industrialização… os lobbys permitirão? A quem interessaria um Brasil industrializado a não ser aos próprios brasileiros?

  2. O artigo somente expõe a fragilidade da nossa economia. É uma grande oportunidade de investir em tecnologia e inovação, priorizando setores que agreguem valor, reduzindo a carga tributária para estes produtos e serviços.

  3. A verdade é simples… Aquele que puder investir em si mesmo, irá investir em si mesmo… Aquilo que o país começar a produzir por si mesmo, ele não mais importará, se decidir que a produção local é compensadora. Aquilo que ele achar mais barato no país X, ele irá até X para comprar… Simples assim…

  4. Agora eu quero ver o quão grande é a aliança do pacifico sem exportações pros desenvolvidos, quanto eles tem de capacidade de auto-financiamento… quero ver suas “Economias Internas” resistirem sem exportações e sem comércio com o Mercosul!!

    Vamos ver se entram em recessão ou se seguram como o Mercosul fez quando o mundo estava em crise em 2008… à parte a argentina desvairada… mas que o Brasil já está pondo nos eixos!

    Valeu!!

  5. Fim do crescimento é uma expressão muito forte, o que pode ocorrer é uma forte desaceleração. Acho que isso pouco afetará os países da Aliança do Pacifico, veja o Chile, tem mais de 50 acordos de livre comercio (Mercosul, União Europeia, EUA, China…), tem um PIB crescente a mais de 20 anos e sem problemas macroeconômicos, o investimento (taxa de investimento em ralação ao PIB) é maior que a brasileira, o investidor estrangeiro olha pra lá com bons olhos, a dependência em relação ao cobre tem diminuído e o setor industrial aumentado…
    Lembremos que em 2008 mesmo com a crise a China teve um fator gigantesco na exportação de commodities e isso ajudou a segurar as economias subdesenvolvidas. Nossa economia precisa de reformas e de mais transparência, que papelão aquele do Brasil no final do ano passado com números maquiados para não demonstrar nossa incapacidade de alcançar determinadas metas.
    Acho que algumas pessoas estão confundido o porquê da criação da Aliança do Pacifico, ela não tem como objetivo rivalizar com o Mercosul, só que cansaram de esperar e perderam a esperança com o atual Mercosul e viram uma oportunidade de aproveitar esse crescimento asiático. O incrível é que todos os participantes da Aliança do Pacifico tem uma economia bem ao estilo liberal e tem conseguido bom crescimento econômico, com baixa inflação e taxa de juros.

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