Fracasso & sucesso

Roberto-da-Matta

‘O problema de vocês é o palácio. Vocês lutam pela democracia, elegem os caras e depois os colocam em palácios. E aí, meu caro, vocês voltam às velhas deferências — mas com o dinheiro do povo’

ROBERTO DAMATTA (*)

Vencer ou perder, governar ou desgovernar, poupar ou gastar, trabalhar ou dormir, honrar os cargos ou vilipendiá-los, enfim: ser ou não ser seriam — como variantes possíveis de fracasso e sucesso — as duas faces uma mesma moeda?

No Brasil, sucesso e fracasso tem se constituído em moedas diferentes. A do sucesso pertence ao nosso grupo ou partido; a dos outros é a do fracasso. Ou, dito de modo mais familiar, a moeda do sucesso é a do governo (que tudo gasta de modo irresponsável); a do povo, porém, está sempre em falta. Ou, pior que isso, inexiste. Porque como diz a formula malandra: não há verbas para o nosso projeto de poder.

E qual é o projeto de poder dos governos? É melhorar o trânsito e liquidar gargalos em setores críticos? Não! O projeto do governo, como revelam os noticiários e as tentativas de inventar fracassos com uma crise entre poderes, é permanecer no poder.

Essa é a lei de ferro que faz com que, no Brasil, os elos entre sucesso e fracasso permaneçam sem reflexão, como se um lado nada tivesse com o outro quando, no fundo, há um laço íntimo entre o ir para a frente e o seguir decididamente para trás.

Como ironiza Joseph Heller na figura do Coronel Cargill, um personagem intrigante do livro “Ardil 22”. Cargill, um ex-marqueteiro, agia como um político — ele era especialista em fracasso. Ele sabia — por isso ele merece reflexão — que o fracasso é tão difícil quanto o sucesso!

O fracasso do Brasil não é exclusivo nem obtido de graça. Tal como o nosso sucesso, ele não é tampouco espontâneo. Tem sido planificado por gerações de imperadores e barões e com a plêiade do que hoje — com a abolição da escravatura e a proclamação da república — chamamos de secretários, ministros, aspones, diretores, parlamentares e presidentes. Esse “poder público” que continuamos a tratar com um misto de sacralidade, respeito, hipocrisia e extremada covardia, o qual é uma esfera em pleno processo de encontro com a sociedade que ele controla, comanda e, no meu humilde entender, explora brutalmente.

Exagero? Sem dúvida. Mas impressiona ao jovem antropólogo dentro do velho professor, cronista, avô, péssimo escritor e eventual cantor ridículo de canções fora de moda, perceber com nitidez fotográfica como o “poder publico” está em toda parte e em todo lugar, deve quase sempre tudo à sociedade, mas sempre erra e fracassa redonda e irritantemente onde se mete. Nós, o povo (ou, para sermos mais precisos, a sociedade), não podemos fracassar e, num certo sentido, continuamos invisíveis e anônimos. Mas os sócios do tal “poder publico” são as celebridades inimputáveis que, embora tenham tudo, saibam tudo e controlem tudo, não são — nem nas crises e denúncias — responsáveis por coisa alguma. A nós, pobres anônimos sem poder, cabe existir como “povinho carente” e sem rosto, mas somente para os demagogos. E, de quebra, somos responsáveis pelo fracasso do Brasil.

Ainda estamos longe de conceber, saindo da velha e grossa casca escravista, que o “povo” é o conjunto de cidadãos que concede autoridade administrativa a uns poucos que, por sua vez, recusam (a não ser em casos extremos) a colocar suas caras a tapa. Ou seja: a assumir com todas as letras o que fazem para seus estados, cidades ou país.

De um lado há os grande atores; e, do outro, os chamados “merdas”. Todos nós, leitores, que pagamos impostos e que, ao contrário dos nossos gerentes, não podemos errar debaixo das penas da lei. Conheci, graças à Deus, de longe, poderosos que se pensavam imortais e só viraram povo quando sofreram perdas, quando enfrentam a doença ou quando descobriram com horror que eram mortais, embora o cargo que ocupavam não fosse.

Sucesso e fracasso, atraso e progresso ainda se dividem de modo crasso e reacionário no Brasil. O povo é ignorante e atrasado, o Estado — porém — é sábio e avançado. Ele entende tanto de sociologia que, quando decide mudar um costume estabelecido, inventa uma lei! O problema é que, como as coisas estão interligadas, logo ele próprio é vítima das leis que promulga. Entre as autoridades e a sociedade, há um fato curioso e absurdo: até hoje, quem se investe como parte do “poder público” esquece imediatamente depois da “posse” que ele (ou ela) faz parte da sociedade e que esse tal de “poder público” deve algo a essa mesma sociedade, e não o contrário. Eis um fato notável do poder à brasileira.

Um outro fato diz respeito ao seguinte: a força da autoridade é sempre aplicada com mais consistência contra o “outro”, como agora testemunhamos nessa briga irresponsável de incêndio entre o Congresso e o Supremo. Um conflito sintomático do desejo óbvio de vingança por parte de parlamentares que foram condenados e que, cedo ou tarde, a prevalecer algum senso de justiça, devem pagar o que devem à lei e ao povo. Esse povão sem rosto feito de vozes desarticuladas, mas que hoje falam muito e batem num ponto básico: como ter autoridade sem cara? Como ter cidades onde vivemos e morremos sem um dono — um responsável a quem a população concedeu pelo voto um tempo para gerenciá-las com decência? Não se pode culpar costumes por ausência de trabalho administrativo público decente, responsável e eficiente. Se há erro, mudemos a “cultura”.

No fundo, trata-se de tirar os caras dos palácios e colocá-los na rua, ao nosso lado. Penando em inomináveis engarrafamentos e filas de hospitais e escolas. Como dizia meu velho amigo Richard Moneygrand, o brasilianista mais brasileiro que conheci: “DaMatta, o problema de vocês é o palácio. Vocês lutam pela democracia, elegem os caras e depois os colocam em palácios. E aí, meu caro, vocês voltam às velhas deferências — mas com o dinheiro do povo.”

(*) Roberto DaMatta  é antropólogo

 

Fonte: O Globo, Opinião, Página 19, 4ª feira, 1º 05 2013 

9 Comentários

  1. Perfeito, é a cronica do Brasil!Por isso que precisamos de mais povo e de menos EStado!Porque chega de excesso de Estado nesse pais varonil!É exatamente esse excessivo EStado que nos está impedindo o desenvolvimento social!Sempre diziam que não havia recursos para se curar as mazelas brasileiras, agora que eles existem, está faltando o quê?

  2. Da Matta escreveu, e escreveu. Linhas e mais linhas, para dizer pouco, e quando o finalizou o texto, mostrou uma incapacidade atávica de enxergar o óbvio, ou por ser um colunista do Estado de São Paulo, alinhou-se como um covarde, aos interesses do seu patrão…

    Fato é que os conflitos havidos entre o Legislativo e o Judiciário não se deu por causa de alguns poucos membros do congresso sendo julgados no STF… O conflito deu-se devido a arrogância imprudente de alguns ministros do STF, que passaram a interferir de forma indevida no poder legislativo. Os exemplos são vários, e posso aqui elencar alguns: interferência na competência do legislativo no tocante a autonomia deste em caçar o mandato dos seus membros; interferência por meio de liminar, de projetos de lei ainda localizados em comissões, ou seja, antes mesmo de iniciado o trâmite legislativo; interferência via judicial, do trâmite de lei específica, devido ao interesse de um Estado da Federação que teria recursos econômicos afetados pela medida, que ainda estava por ser levada ao plenário (obra do Sr. Fux)… E por aí vai. Portanto, depois de tantas interferências indevidas, não se poderia esperar por parte do Legislativo outra reação… Agora, do Coronel do Judiciário, Gilmar Mendes, que inventou uma escuta que não houve, para justificar uma mentira, nem uma palavra, não é mesmo?

    Da Matta eu conheço, como autor acadêmico. É um Antropólogo Cultural respeitado, e ao contrário do que ele pensa de si, não escreve mal. Mas, apesar do respeito acadêmico angariado, ao qual concordo, não possui uma contribuição seminal à Antropologia, como é aquela de Clifford Geertz, por exemplo… Ou seja, não é tão medíocre como FHC, mas não é um Mário Schenberg, ou um César Lattes.

    • Concordo que há uma intromissão muito grande do Judiciário no Legislativo, só tem um ponto que tenho de discordar (cassação de membros do Legislativo) isso faz parte das atribuições do STF já que são eles que interpretam a Constituição, é importante frisar isso, é dever constitucional do STF ser o interprete da Constituição e no que tange a ela e segundo a interpretação da maioria dos juízes (a maioria deles assumiu após 2003) é dever do STF caçar os réus do mensalão.
      Mas vejo algo mais perigoso, o Legislativo não está conseguindo debater e argumentar de forma que todos saiam minimamente satisfeitos com uma decisão, tudo acaba indo para o Judiciário. Na verdade pouco se debate coisas realmente importantes para a população, veja os problemas da criminalidade, ninguém abriu a boca até agora para iniciar uma discursão sobre menoridade, na saúde e educação idem. Quando o congresso não faz seu papel alguém tem que fazer, ou vai ser o Executivo ou Judiciário.

  3. Incrível é que depois de criticar os poderosos públicos por suas condutas acima da lei (como se os privados não agissem igual) e pleitear durante todo o texto poder e respeito restituido para o nosso povo brasileiro, esse antropólogo se rende intelectualmente ao viralatismo citando um estrangeiro. No mínimo, irônico (pois mostra desprezo por nossa produção intelectual). Se ele quer que o povo seja respeitado que mostre ele próprio respeito.
    E quanto a essa observação-afirmação final do tal brasilianista, que coisa mais patética, ou será que protocolos de poder não fazem parte da história de toda humanidade?!!!

    Para mim um grave defeito de nossa elite é não mandarem a m__a todas essas críticas boçais que nos fazem no estrangeiro. Pois é de rir até cair dos defeitos que se observa nesses países ditos de primeiro mundo.
    A questão é que se jogarem pedras em nós temos que jogar todas elas de volta.

    Voto facultativo JÁ no Brasil… o resto é só enrolação e teorias antropológicas improdutivas eternas.

  4. A verdade é que do jeito que está não pode ficar!

    Hoje, um único ministro pode, monocraticamente, suspender liminarmente uma lei ou emenda constitucional, nas ações diretas de inconstitucionalidade ou declaratórias de constitucionalidade.

    A PEC 33 aperfeiçoa o processo democrático ao estabelecer que o STF só poderá suspender uma lei ou emenda constitucional aprovada pelo plenário do Congresso, por decisão do plenário do STF, isto é:

    Com o voto de uma maioria dos ministros do STF.

    E NÃO COMO ESTÁ ATUALMENTE, QUE COM O VETO INDIVIDUAL DE UM ÚNICO MINISTRO DE STF SE SUSTA LIMINARMENTE UMA LEI VOTADA POR CENTENAS DE CONGRESSISTAS…!

  5. o congresso já demora anos para fazer alguma coisa quando faz vem um ministro do stf que nao é eleito pelo povo e invalida o que foi votado ,isso é muito perigoso ,exemplo o congresso vota que o valor pago pela petrobras vai ser dividido entre educaçao e com a marinha ,ai me vem esse ministro do stf e vota para cancelar ,
    isso é um golpe aDEMOCRACIA ,COLOCA LOGO A MONARQUIA TOTALITARISTA E VOLTA A FORCA E A GUILHOTINA ENTÃO.

  6. È isso aí PÉ DE CÃO,
    depois vem um pessoal repetindo, SEM PENSAR… a palavra de ordem marqueteada por grandes empresas de mídia interessadas em manter o poder que o tapetão de um só ministro lhes garante! “Estão fazendo um ataque ao judiciário!” …tá bom…

  7. Só mais uma anta que caiu no conto do mentirão. Restou mais do que provado que não houve dinheiro público envolvido na trama, visto que bônus de volume da rede globo via visanet é dinheiro privado, caixa 2 de campanha. Vamos aguardar os recursos antes de sair escrevendo besteiras. Alguns ministros cometeram crimes de responsabilidade e estão dependendo da longevidade de Sarney, que mantem o Congresso de joelhos.

    Três auditorais independentes comprovaram os empréstimos realizados. Mas a gangue midiática dominante cooptou alguns ministros com suas mentiras.

    O grande erro está justamente em não dar aos representantes do povo a mesma remuneração e privilégios que recebem os administradores das grandes corporações.

    Como um presidente da república, Senadores e Deputados, ministros do STF podem ganhar uma miséria perto de executivos de empresas como Bradesco, Itaú, Gerdau? Centenas de vezes menos? Será que a responsabilidade de cuidar dos interesses de um país é menor que cuidar de uma empresa?

    O objetivo desse demérito não seria manter o poder de corromper, de cooptar, de ter o poder político como vassalo do interesse das grandes corporações?

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