A temida voz dos árabes

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Rogério Simões

Os ventos revolucionários da Tunísia chegaram ao Egito. Depois da derrubada do regime do tunisiano Zine Al-Abidine Ben Al, que desfrutou de poder quase absoluto por 23 anos, a fúria das chamadas “ruas árabes” se dirige agora contra o líder egípcio. No controle da terra dos faraós há 29 anos, Hosni Mubarak é o alvo da revolta e desejo de mudança da população local. As cenas de caos em vários pontos do país, especialmente no Cairo, sugerem uma nação transformada. De forma espontânea, sem necessariamente ligação com grupo político algum, cidadãos das mais diferentes tendências e ideologias tomaram as ruas para dizer “basta” a um regime autoritário. Mas, ao contrário dos protestos que derrubaram o comunismo na Europa na virada da década de 80 para a de 90, no exterior os movimentos populares árabes geram tanto otimismo quanto preocupação.

O regime de Mubarak é um dos principais aliados dos Estados Unidos no mundo árabe. Recebe de Washington quase US$ 2 bilhões anuais em ajuda econômica e militar, ficando atrás apenas de Israel. Nos últimos anos os Estados Unidos vêm dizendo que essa ajuda precisa ser acompanhada de abertura política e econômica, mas Mubarak nunca sinalizou intenção de mudar as regras do jogo. Pelo contrário: aos 82 anos, o líder egípcio vinha indicando sua intenção de passar o poder para seu filho, Gamal, repetindo o ritual dinástico de nações como Síria ou Jordânia.

Os Estados Unidos nunca condenaram abertamente o modelo político do Egito nem os planos de Mubarak para o país, e o presidente Barack Obama tem sido cauteloso ao defender o direito da população de se manifestar. Obama e seus antecessores nunca esqueceram as circunstâncias em que Mubarak chegou ao poder, em 1981. Ele ocupava a vice-Presidência quando o presidente, Anwar Sadat, que dois anos antes havia assinado o histórico e polêmico acordo de paz com Israel, foi assassinado. Fundamentalistas usaram granadas e metralhadoras contra o presidente e convidados durante uma parada militar. Outras 11 pessoas morreram, e o próprio Mubarak foi ferido. Já na Presidência, Mubarak enfrentou um ressurgimento das ações de fundamentalistas, especialmente nos anos 90, quando um grande atentado em Luxor deixou mais de 50 turistas estrangeiros mortos. A resposta de Mubarak foi um regime cada vez mais fechado, sem direito a dissidências ou manifestações, comandado por truculentas forças de segurança sobre as quais sempre houve a suspeita do uso sistemático da tortura.

A receita sempre foi tolerada por Washington, que teme as consequências para a região da derrubada de regimes autoritários, mas aliados ao Ocidente. Exemplos passados aumentam tal preocupação. Em 1991, as eleições na Argélia foram vencidas no primeiro turno pelo partido islamista, a Frente Islâmica de Salvação, o que levou as autoridades a cancelar a segunda votação. O Exército assumiu o poder, o que levou a uma guerra civil marcada por massacres de civis e um saldo de 200 mil mortos. As eleições palestinas de 2006 resultaram na vitória do Hamas e a consequente divisão política da Palestina, com a Faixa de Gaza nas mãos do grupo religioso e a Cisjordânia sob controle da Autoridade Nacional Palestina. No próprio Iraque, onde uma tentativa de democracia foi imposta militarmente pelos Estados Unidos, a situação interna segue muito mais instável e violenta do que nos tempos de Saddam Hussein.

Com os recentes aumentos de preços dos alimentos, que impôs dificuldades extras a populações já sofrendo com a estagnação econômica, tornou-se ainda mais difícil para regimes autoritários árabes controlarem seus cidadãos. Depois de Tunísia e Egito, protestos foram registrados também no Iêmen. Somada a décadas de frustração e repressão, uma realidade de desemprego e inflação solapa as estruturas do tradicional modelo político local. Estados Unidos, Israel e líderes de outras autocracias locais acompanham os acontecimentos no Cairo com apreensão. Mas sabem que barrar os ventos de mudança é missão quase impossível, e a única opção parece ser ajustar a direção para a qual eles sopram. Isso se não estivermos diante de um verdadeiro furacão.

Fonte: BBC Brasil

8 Comentários

  1. O ocidente tem que ser coerente com o seu discurso sobre democracia e vontade do povo,criticam o Ira por seu sistema politico considerado pelo ocidente como autoritario,ao mesmo tempo se relacionam com governos autoritarios de outros paises.Essa incoerencia gera falta de confiança.Resta aguardar o desfecho dos acontecimentos,torcendo para nao haver banho de sangue,quanto mais violento for a açao do governo contra os manifestantes,mais influencia tera os extremistas.Entao deixe valer a vontade do povo Sr mubarak!

  2. O que realmente impressionar é que acusavam o ex-presidente brasileiro de se aliar aos ditadores invés de alia-se aos EUA (se bem que o Brasil nunca foi inimigo ou rompeu relações com eles) que isso era inconcebível, mas os EUA se aliam aos ditadores também é tudo um jogo de interesses onde vc não pode escolher o seu aliado por suas ações e sim pelo o que tem a oferecer.
    Quanto ao texto viva a democracia “o menos ruim dos regimes”.
    Que esse povo possa te sua democracia em paz e não só ele a Venezuela, Cuba e todos os outros.

  3. Teria de acontecer, mais cedo ou mais tarde… Num cenário como esse, o fundamentalismo pseudoislâmico vai encontrar campo fértil para lançar suas sementes. Que Deus/Allah nos proteja!

  4. Alguns exemplos da democracia americana: Egito, Paquistão, Arabia Saudita, Iraque, Afeganistão, Israel, etc. Como dizia o Barão de Itararé, “Democracia é quando eu mando em você. Quando você manda em mim aí é ditadura”.

  5. desde quando e Egipto é árabe???
    desde quando, na generalidade destas teocracias Islâmicas estão interessadas em liberdades individuais, livre arbítrio, liberdade religiosa, de orientação sexual, igualdade de género, livre circulação até???
    os EUA são diabólicos muitas vezes, sem dúvida, mas as alternativas (Rússia, China, Islão) são as Trevas!!!

  6. caríssimo Joel

    estes excertos estão no artigo http://en.wikipedia.org/wiki/Egyptians:
    – “The Egyptians are not Arabs, and both they and the Arabs are aware of this fact. They are Arabic-speaking, and they are Muslim —indeed religion plays a greater part in their lives than it does in those either of the Syrians or the Iraqi. ”
    – “The Egyptian is Pharaonic before being Arab.”
    – “Egyptians have considered themselves as distinct from ‘Arabs’ and even at present rarely do they make that identification in casual contexts (…)Egyptians saw themselves, their history, culture and language as specifically Egyptian and not “Arab.”

    espero ter ajudado.
    obrigado pela atenção dispensada.
    😉

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