A nova doutrina militar da Rússia: mais do mesmo?

A recente Cúpula da OTAN, realizada em Lisboa, discutiu temas importantes para o futuro da Aliança Atlântica, como a criação de um sistema de defesa antimísseis e o cronograma das operações no Afeganistão. O sucesso da OTAN no gerenciamento desses pontos depende de sua relação com a Rússia, o que ficou evidente pela participação do presidente russo Dmitri Medvedev nos debates. Aqui cabe a pergunta: como Moscou se percebe no atual cenário estratégico-militar internacional?

A publicação da Doutrina Militar da Federação Russa, em fevereiro de 2010, foi o resultado de anos de debates no establishment russo. Esperava-se com ansiedade a nova percepção estratégica russa diante das mudanças no cenário internacional desde sua última Doutrina Militar (2000): a ressurgência do poder russo, a “guerra ao terror”, a expansão da OTAN para o Leste (2004) e a Guerra de Agosto (2008).

A doutrina militar de um país é um documento que confere previsibilidade à sua política de segurança. No caso da Rússia, em que a segurança tem grande peso nas decisões governamentais, o estudo da nova doutrina permite a familiarização com um aspecto muito relevante da inserção internacional de Moscou. Analisamos aqui os possíveis desdobramentos da doutrina para a política externa russa.

No início da seção sobre os perigos de guerra à Rússia, a doutrina reconhece que a “arquitetura de segurança internacional existente (…) não oferece igual segurança a todos os Estados”. Isso revela a percepção de que, apesar de estar bem posicionada dentro do regime de segurança internacional, a Rússia avalia que ele fornece proteção ainda maior a outros Estados.

A doutrina reconhece a diminuição da possibilidade de uma guerra de larga escala contra a Rússia, mas percebe a persistência de algumas fontes de ameaça militar ao país. A expansão da OTAN rumo às fronteiras russas é o primeiro item dos principais perigos externos de guerra ao país. Outro perigo é o estabelecimento de sistemas de defesa antimísseis que “abalam a estabilidade global e violam o equilíbrio de forças”, em clara referência ao projeto dos EUA de instalação de um sistema de defesa antimísseis no Leste Europeu. Reivindicações territoriais contra a Rússia também são avaliadas como um perigo externo de guerra (o pleito japonês sobre as ilhas Curilas é um exemplo disso), assim como o terrorismo internacional.

Armas nucleares

O documento também revela que Moscou observará atentamente o cenário estratégico-militar em seu “exterior próximo”. Serão considerados perigos e ameaças militares à Rússia a instalação de contingentes militares de Estados e de organismos extrarregionais e a realização de exercícios militares com objetivos provocativos no território de seus vizinhos.

O texto atribui grande importância à articulação em matéria de segurança no âmbito da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, na sigla em inglês), da Comunidade de Estados Independentes (CEI), da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), excluindo-se aqui a OTAN, que mereceu apenas uma breve menção entre as organizações com as quais a Rússia tentará desenvolver relações.

A nova doutrina militar reserva ainda o direito da Rússia de usar armas nucleares como resposta a um ataque com armas de destruição em massa contra o país, assim como no caso de agressão com armas convencionais que ameace a existência do Estado russo. Moscou adota a “política do primeiro uso” (first-use policy) de armas nucleares e adere à doutrina do ataque nuclear preventivo (nuclear preemptive strike).

Independência armamentícia

A proteção de cidadãos russos residentes no exterior contra ataques armados é uma das tarefas das forças armadas em tempos de paz. Isso poderá ensejar um maior intervencionismo do Kremlin em seu “exterior próximo”, sob o pretexto de proteger as minorias russas residentes nesses países. Com efeito, a proteção da população russa foi uma das justificativas de Moscou para atuar na guerra de agosto de 2008 contra a Geórgia.

Uma das tarefas atribuídas ao complexo militar-industrial é “garantir uma presença estratégica da Rússia no mercado mundial de produtos e serviços de alta tecnologia”. De fato, o país tem logrado manter uma posição de destaque no mercado mundial de armamentos, respondendo por 25% de todas as exportações do setor entre 2004 e 2008.

Outro objetivo atribuído ao complexo militar-industrial é assegurar a independência tecnológica do país na produção de armas de importância estratégica. No entanto, a recente compra de porta-helicópteros franceses e de VANTs israelenses demonstra que a Rússia terá de contornar obstáculos de natureza financeira e técnica para alcançar esse objetivo.

A doutrina prescreve o avanço nos processos de negociação para o estabelecimento de sistemas regionais de segurança como uma das tarefas da Rússia no campo da cooperação político-militar. Reforça-se a proposta russa para um Tratado de Segurança Europeia em âmbito paneuropeu – o que tem encontrado fria recepção no Ocidente.

Retórica

Um documento tão fundamental como esse possui duas facetas: a orientação das Forças Armadas e o consumo externo. O texto da doutrina está repleto de mensagens cuidadosamente dirigidas a públicos específicos. A data de sua publicação (5 de fevereiro) é bastante simbólica, coincidindo com o início da 46ª Conferência de Segurança de Munique. O texto alude frequentemente à cooperação com organizações em que Moscou é influente (CSTO, OCS e CEI), enquanto as citações à OTAN são muito mais tímidas.

Para Marcel de Haas e Richard Weitz, as referências à OTAN demonstram que a nova doutrina reafirma os valores da Guerra Fria. Essa afirmação carece de fundamento, já que a Rússia apenas faz tais referências à Aliança Atlântica como reação a uma situação geopolítica concreta em que a OTAN – esta, sim, produto da Guerra Fria – está aproximando sua infraestrutura militar das fronteiras russas, causando apreensão no Kremlin. Se a retórica da OTAN é de parceria com a Rússia, como se justifica a sua expansão para o Leste?

O conteúdo mais assertivo da doutrina é reflexo da ressurgência global da Rússia. O aumento das despesas militares representa a intenção de retomar os investimentos na infraestrutura militar russa – que sofreu um sucateamento nos anos 1990 –, e não um movimento de militarização para a adoção de posturas intervencionistas no cenário internacional, como defendem alguns analistas.

*Bruno Quadros e Quadros é analista internacional, bacharel em relações internacionais pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba)

Fonte:  Opera Mundi

10 Comentários

  1. isso nao vai prestar…..a guerra fria ta de volta….agora esse paises pequenos que integrao a otan estao acreditando que estao protegido so que vao levar a pior no final…e so lembrar o georgia

  2. Hipotéticos historiadores, sobreviventes de uma hecatombe termonuclear, poderão mais tarde alegar, com base em hipotéticos documentos que sobreviverem, que a principal causa disparadora de um conflito de proporções mundiais foi o implacavel avanço de OTAN para o Leste…

    Faz parte da doutrina de defesa russa, ficou explícito, o ataque nuclear preventivo, um claro aviso à China, em particular…

  3. Tem um ditado que diz o seguinte:

    A briga entre o mar e os rochedos, quem leva a pior é o caranguejo.
    Quem o diga à Polônia.

  4. A Russia tá blefando, essa aproximação aparente é cena, eu ganho você ganha e tá blz…..

    Mas isso não significa que a Russia vai jogar o jogo da OTAN, sempre os mísseis balisticos de médio alcance estiveram apontados para a Europa. O resto é política!

  5. Leiam somente essa parte do texto ele diz tudo, “Moscou adota a “política do primeiro uso” (first-use policy) de armas nucleares e adere à doutrina do ataque nuclear preventivo (nuclear preemptive strike)”. Já deram o recado pro Yankees, se a base deles causa qualquer dano na Russia a resposta é “Nuclear” é agora José, tá ae a prova a Bomba fala por si só, garantir a soberania do Estado, é ainda da status de potência para os países que as detém.

  6. Olha ae o to do Blefe dos Russo bem destacado “Moscou adota a “política do primeiro uso” (first-use policy) de armas nucleares e adere à doutrina do ataque nuclear preventivo (nuclear preemptive strike)”.

  7. Carlos Argus, eles tem misséis balísticos, mesmo que não utilizem podem usar isso como motivo de força maior, ou moeda de troca de beneficios é por isso é considerado uma potência nuclear diferente de nossos militares não temos poder para exigir algum da ONU,OU OTAN apenas co-operamos com eles, repito é digo a lei do mais forte prevalecera tenha certeza disso, aquele que possui o maior trabuco exiger direitos de país dominante é tem status, pra isso, oque adianta de termos alguns misséis,caças enferrujados,fuzies da 2ª Guerra, resumindo tudo sucateado, que fazer frente a uma potência nuclear nem aqui nem na china, deixa acontecer um dia eles apontarem um missel balistico para nosso pais oque as autoridades vão fazer, rezar porque se lutar é morte certa.

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