Entrevista sobre a Amazônia Azul publicada no site da ONG americana “The Center of Regulatory Effectiveness”

Leia abaixo a entrevista concedida pelo Comandante Alexandre Tagore Medeiros de Albuquerque, Presidente da Comissão de Limites da Plataforma Continental e Assessor da Diretoria de Hidrografia e Navegação para o LEPLAC, ao site da ONG americana “The Center of Regulatory Effectiveness” (www.thecre.com), em 27/10/2009:

Os limites marítimos do Brasil entraram na ordem do dia desde que foi descoberto petróleo no pré-sal. Mas mesmo antes disso, o governo brasileiro já estava preocupado em demarcar suas fronteiras no mar com a chamada Amazônia Azul, que abarcaria suas águas territoriais (12 milhas a partir da costa), a Zona Econômica Exclusiva (200 milhas a partir da costa) e ainda 960 mil km2 da plataforma continental. Assessor do Diretor de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil, o comandante Alexandre Tagore Medeiros de Albuquerque é também presidente da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), organismo criado por força das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Na primeira parte desta entrevista ao CRE, o Comandante Tagore afirma que, apesar de ainda não haver um consenso sobre a proposta de limite exterior da plataforma continental apresentada pelo governo brasileiro à CLPC, “a Amazônia Azul já é uma realidade”.

Há cinco anos o governo brasileiro requereu à ONU direitos sobre 960 mil km2 da plataforma continental. Unindo isso à Zona Econômica Exclusiva, formaria a Amazônia Azul. Há uma perspectiva de resposta? Qual é a expectativa?

Em 2004, o Brasil encaminhou à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) – organismo criado por força das disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) – sua proposta de limite exterior da plataforma continental, além das 200 milhas. Após cerca de três anos de exame, em 2007 a CLPC encaminhou ao Governo brasileiro suas recomendações relativas à nossa proposta. Tais recomendações, embora tenham sido favoráveis à cerca de 85% da nossa proposta, não satisfizeram integralmente o governo brasileiro. Assim sendo, o Poder Executivo decidiu que outra proposta fosse elaborada e encaminhada à CLPC, oportunamente. Nessa proposta, o Brasil deverá insistir nos limites exteriores inicialmente propostos. Em 2009, o Brasil deu início à coleta de novos dados oceanográficos ao longo de toda a margem continental brasileira. Esses dados, após coletados, processados e interpretados, subsidiarão a prontificação da nossa proposta, a qual está prevista para 2011. Uma vez concluída, a proposta será encaminhada à CLPC. Devido à significativa carga de trabalho à qual no momento está submetida a CLPC, não se pode precisar, no momento, quando será concluído o exame da nossa proposta.

A Amazônia Azul já pode ser considerada uma realidade, só contando com a ZEE?

Sem dúvida, a Amazônia Azul é uma realidade. Na verdade, a área total da Amazônia Azul se estende da nossa linha de costa até o limite exterior da plataforma continental, além das 200 milhas. Até o limite exterior do nosso Mar Territorial (12 milhas), o Brasil exerce soberania. À exceção do direito de passagem inocente, no nosso Mar Territorial todos os outros Estados são obrigados a observar as normas e regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro. O espaço marítimo situado entre as 12 milhas de Mar Territorial e o limite exterior da Zona Econômica Exclusiva (200 milhas) pode ser considerado sob jurisdição brasileira. Nesse espaço, o Brasil pode estabelecer normas e regulamentos a serem cumpridos por outros Estados, desde que tais normas e regulamentos sejam estabelecidos em conformidade com o que preceitua a CNUDM. O espaço marítimo além das 200 milhas é conhecido como Alto Mar, a ser utilizado para fins pacíficos. O Alto Mar está aberto a todos os Estados, quer costeiros quer sem litoral. Acrescente-se um detalhe importante, o qual diz respeito ao solo e subsolo marinhos além das 200 milhas: é bem verdade que o Alto Mar está aberto a todos os Estados; não obstante, além das 200 milhas até o limite exterior da plataforma continental, os Estados exercem direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos recursos naturais situados no solo e subsolo marinhos. Nesse contexto, portanto, reveste-se de importância o fato de um Estado estabelecer os limites exteriores da sua plataforma continental, além das 200 milhas, tendo em vista os direitos de soberania exercidos em relação à exploração e ao aproveitamento dos recursos naturais dos fundos marinhos.

Qual seria a importância da confirmação, pela ONU, da Amazônia Azul? O que mudaria?

Já houve época em que os Estados, unilateralmente, estabeleciam seus próprios limites marítimos. Nesse caso, e muitos se lembram, enquadra-se a decisão unilateral do Brasil, tomada em 1970, no sentido de arbitrar a largura de 200 milhas para seu Mar Territorial. Contudo, tal decisão, além de unilateral, não desfrutava de consenso em âmbito internacional. Com o advento da CNUDM, assinada e ratificada pela maioria esmagadora dos Estados, os limites marítimos, uma vez adotados pelos Estados costeiros, passaram a contar com o respaldo da comunidade internacional. Não caberá à ONU “confirmar” a Amazônia Azul. O que deve ser bem explicado é que a CLPC, após examinar a nossa proposta, fará recomendações ao Governo brasileiro. Caso o Brasil concorde com tais recomendações, poderá, de maneira soberana, adotar os limites exteriores por nós propostos e recomendados pela CLPC. A ONU apenas registrará, de maneira apropriada, esses limites exteriores adotados pelo Brasil com base nas recomendações da CLPC. Por outro lado, vale acrescentar que o conceito de Amazônia Azul, como um todo, em muito ultrapassa o conceito de plataforma continental além das 200 milhas.

O que falta, hoje, para garantir a soberania brasileira no pré-sal?

Conforme explicitado anteriormente, o Brasil já recebeu da CLPC, em 2007, as recomendações relativas à nossa proposta encaminhada em 2004. Em linhas muito gerais, a área do pré-sal, pelo menos até agora, se encontra num espaço marítimo que envolve o platô de São Paulo e áreas oceânicas adjacentes. Pois justamente nessa área a CLPC não colocou qualquer dificuldade para aceitar os limites exteriores propostos pelo Brasil. Em nível maior de detalhamento, podemos dizer que os reservatórios de óleo e gás da área do pré-sal estão todos eles localizados dentro do limite das nossas 200 milhas. Contudo, mesmo que esses reservatórios se estendam para além das 200M, ainda assim parece-nos lícito intuir que estariam resguardados nossos direitos, posto que, nessa área considerada, a plataforma continental brasileira se estende até o limite das 350 milhas. Em outras áreas que não envolvem a região do pré-sal – por exemplo, a região da cadeia Vitória-Trindade –, o limite exterior da nossa plataforma continental poderá ultrapassar o limite das 350 milhas (até o limite das 100 milhas a partir da isóbata de 2500m, que é uma linha que une pontos da mesma profundidade, no caso 2.500m).

Os Estados Unidos e a Venezuela, por exemplo, não são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Isso significa que, em princípio, eles não reconhecem a Zona Econômica Exclusiva, onde está a maior parte do pré-sal – e muito menos a parte que fica fora, na plataforma continental. Esses países – e outros não signatários – são motivo de preocupação para o Brasil?

Entre outros aspectos menos relevantes, a Venezuela não assinou a CNUDM em virtude de disputas marítimas na região do Caribe (exercício de soberania sobre a ilha de Aves). Portanto, trata-se de problema regional, sem maiores reflexos no contexto geopolítico da América do Sul. No caso dos Estados Unidos da América, vale dizer que os americanos, ainda que não tenham assinado a CNUDM, adotaram um Mar Territorial de 12 milhas e uma ZEE de 200 milhas, limites marítimos aceitos pela comunidade internacional. De modo geral, os Estados Unidos têm respeitado os espaços marítimos dos demais Estados e encontram-se trabalhando para estabelecer o limite exterior da plataforma continental. Portanto, e no que se refere ao Direito do Mar, enquanto o estado de direito prevalecer e as convenções internacionais não forem rasgadas, é pouco provável que sejam tomadas ações tendentes a ensejar o desequilíbrio das relações internacionais.

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